Ciranda, cirandinha

sexta-feira, 18 de novembro de 2011
Vou-lhes ensinar algo sobre a vida. Da forma mais cretina.

Imagine toda a humanidade perfilada.
Intercale homens e mulheres em uma fila lateral astronômica com o olhar para o horizonte.
A fila é tão gigante, que com apenas o torcer de pouquíssimos graus de ângulo aberto entre um ser e outro, fará-se um circulo.

Pés retos, joelhos firmes, suor escorrendo da testa, mãos tremulas e todos os músculos retraídos.

Pode até parecer um treinamento militar, mas não é. 

Isso é sobre amor.

Um observador constataria que temos um homem em meio a duas mulheres. Ou, se preferir, uma mulher em meio a dois homens, mas isso não altera em nada o que quero dizer.

Você, ao olhar para o horizonte ainda consegue a contemplação de sua visão periférica, e enxerga, verdade que com dificuldade, quem está a rodear-te.

Têm medo do que está acontecendo. Teme mais ainda o que pode acontecer.
Todos são iguais.

Haverá um momento em que toda a angustia, medo, e curiosidade levará a multidão a olhar para o lado, buscando apoio, compreensão e conforto.
Alguém que possa trazer alguma resposta sobre o porque daquela brincadeira sem graça, sem saberem que a brincadeira é séria.

E assim vem uma voz que rasga o céu claro e quente, dizendo: - Quando eu disser "Já", todos escolham um lado, e apenas um!

- Um, dois, três. Já! 

Então, como que em uma coreografia, a maioria olha para a direita.
Todo os sentidos em prontidão, que esperavam encontrar um olhar reconfortante dão de cara com as costas do seu escolhido.

Nenhum  olhar se encontra. Nenhum reconforto surge.
Nada é explicado.

Seus olhos não vêem nada do que queriam ver.
Mas não esqueça que você também deu as costas para alguém, apesar de isso não parecer importar agora.

Os que encontraram olhares saem da ciranda, e o ciclo é refeito.

Dá-se um tempo para que os que sobraram formem novamente outro circulo astronômico, e, tudo recomeça.

- Um, dois, três. Já!

Vence a brincadeira quem aprender com o menor numero de tentativas.









Quando eu soube que era amor

terça-feira, 8 de novembro de 2011


Me senti tão estranho.

Via de longe a menina sorrir espontaneamente ao olhar para outro cara, que fazia alguma palhaçada.
O seu olhar era terno, admirador. O brilho, que eu já havia visto de perto, observado de longe era muito mais ofuscante. Era quase que um grito luminoso de : EU ESTOU GOSTANDO DE VOCÊ!
Ela olhava e ria. Só olhava e ria.

E o sorriso era contagiante. 
Ela mostrava sua dentição perfeita e expunha as suas covinhas, que diversas vezes me reconfortou.

Difícil era explicar aquele efeito: Sempre que eu chegava chateado, fosse por qualquer motivo, ela sorria e dizia: - Ah. Mas como tu és bobo em importar-se com coisas insignificantes.

E o que me acalmava, mais do que as palavras, eram as covas. Ambas significavam a personificação de algo corriqueiro para muitos, mas não para mim: A felicidade de quem me importava.

A ver sorrir me fazia sorrir, e eu acho que essa era a melhor forma de explicar à quem me perguntava o que era o amor, na forma mais nobre e simples.

Por poucos segundos, nada era mais relevante.

Mas acabou.

No inicio foi difícil, mas eu sabia que com o passar do tempo o ciúmes, o rancor, o desapontamento, e todas as coisas inexplicáveis que atrapalham um relacionamento seriam, pouco a pouco, suplantados, até que não restasse nada.

E hoje, passado cinco anos, eu via o casal que nascia e pensava quanto tempo eles demorariam para ter certeza de que é amor.

Enchi meu chimarrão e segui.

Risonho.
Confuso.

Estranhamente Feliz.





Mulheres. Eu, hein!

quinta-feira, 3 de novembro de 2011
- Fernando!
- Ô, seu cheio.

Tive que virar. Óbvio. Ela me disse que foram essas as duas frases. Eu só ouvi a ultima.
Não soube bem o que dizer quando a vi. Havia esbarrado com ela antes e ela nem na cara me olhou. Imaginei que não me conhecesse, e, na hora temi que ela não tivesse nem vontade disso.

Meu espanto era plausível. Óbvio.

- Fernaaaaaaaaaaaando! Gritou, segundos antes de me dar um abraço apertado.
- Como está, guri? 

Atônito. Como mais eu estaria? Aquela mulher de revista que eu imaginei nem me conhecer veio falar comigo.
Mas não disse isso para ela. Claro.

- Tô bem. E tu, guria?

Meu erro.
Notei na hora que era carência. Mas ela me dirigia um olhar fraterno.
Mas ao mesmo tempo, o volume do som fazia ela se aproximar mais e mais. Por diversas vezes pude sentir o calor do seu ar tocando a minha boca.
Foi o mais perto de um beijo dela que eu já estive. E arrisco dizer que já estarei.

Digo isso porque, desde então, tudo voltou ao normal.
Passa, não me olha.
Sorrio. Nem me vê.

Mas o problema nem é esse. Até aí, tudo normal.

O que eu não consigo entender é porque que ela veio falar comigo, bêbada?

Até pensei que ela tinha vontade de me conhecer melhor. Mas ela seguiu me ignorando.

Talvez tenha decepcionado ela de alguma forma. Mas não lembro onde, se nos falamos por, no máximo, 3 minutos.

Muito estranho.
Talvez teria sido melhor nem conhecê-la. Na nossa imaginação, vocês, mulheres, são tão perfeitas. Lá eu não tinha nenhuma duvida sobre ela.

Já aqui...







Tudo o que ficou no ar

Preciso de um f5 aqui, mas ando tão criativo quando os produtores do Globo Repórter.
Então vou por umas frases que eu fiz pra uma guria que eu não conheço, mas sonhei.
É estranho, mas é verdade.

TUDO O QUE FICOU NO AR.


Acreditei em tanta coisa, que não duvidei dessa história de sonhar com você, sem nem saber o seu nome.
Mas não quer dizer que só porque eu acordei antes do final feliz, eu não vou te achar.

Eu dormiria de novo se soubesse que ia estar lá. Perguntaria o seu nome, e tudo o que ficou no ar.

Já tentei tantas coisas. Mas dizer pra alguém que não conhece você, que já a viu e a tocou, e sentiu o seu gosto mesmo sem beijá-la?
Eu sei o que vai pensar: -Que mentira desse rapaz. Ora, vai sonhar com quem nunca viu.

O Caderno

quarta-feira, 19 de outubro de 2011
Augusto nunca tinha sentido algo como aquilo.
Sentado no chão, no centro de uma grande peça que ele projetou para ser o quarto do casal, ele, com um caderno em mãos, não sabia o que fazer.

- Faz tempo. Disse Augusto, sem tirar os olhos daquele objeto retangular que caiu de dentro de uma das caixas de papelão que traziam as ultimas coisas que restavam na casa da mãe.

Segurando firmemente o caderno capa dura de 96 folhas ele pesava se valia a pena abri-lo ou não.
Sabia muito bem que caderno era aquele.


Quinze anos antes, Augusto o havia comprado  junto com outros materiais escolares. Lembra que não conseguia decidir entre duas capas, então acabou convencendo a sua mãe a levar os dois.
Mas ele sabia que apenas um deles iria consigo para a escola.
O outro permaneceria ali, em segredo.

E com o tempo o caderno secreto foi recebendo, de fato, segredos.
Ali estavam expressas coisas que ninguém jamais soube sobre aquele adolescente de 15 anos, como suas paixões platônicas; planos; ideais; sentimentos; opiniões; desejos e tudo mais que habitava as idéias de um adolescente com sede de vida.
Não era um diário. Augusto não contava a sua rotina. Aquilo era uma espécie de manual de como ele iria agir e ser quando o tempo viesse e levasse sua vida a diante.
Era o fluxograma para a sua felicidade futura.
Era sua bíblia.
Era o seu plano.

Os anos passaram e as folhas do caderno foram acabando, assim como o interesse de Augusto por aquilo.
Ele já não via mais graça em planejar. Agora ele queria por tudo em prática. E assim, o fez.

Cresceu; estudou; passou; bebeu; fumou; festejou; se apaixonou; noivou; se formou; casou.

E agora, sentado no chão, Augusto tem medo.
Com 30 anos, uma esposa, e um filho, ele treme diante de um caderno.

Ele recordava dos dias em que escrevera ali, as vezes até lembrava  o porque de ter recorrido ao caderno. Mas ele não lembrava do que havia escrito.

E mais: ele não sabia se queria lembrar.
A duvida que arrebatou Augusto era justamente essa: Saber ou não se o que ele é hoje orgulharia quem ele foi, 15 anos atrás. Saber ou não se o seu plano deu certo.

Tudo bem. Ele é feliz agora. Mas será que suas ambições não eram maiores e seus sonhos gigantescos, a ponto de transformar a sua atual realidade em uma mera vidinha de adulto?


Augusto não abriu o caderno.
Preferiu não saber se desapontou a si mesmo.

Sábia decisão.
Com certeza, seria um grande golpe.






A Física Moderna

segunda-feira, 10 de outubro de 2011
De cotovelos escorados por sobre o parapeito da ponte, Vinicius entende coisas da vida.
Segurando a cabeça, e transferindo o peso do seu corpo para aqueles pilares acostumado a suportar carros e caminhões, ele ri.

Quanto mais a água passa, mais ele ri.

Por um breve momento ele pôde perceber que as coisas não são tão independentes quanto parecem.

Vendo aquelas águas barrentas correrem rio abaixo ele instintivamente pensa em Maria.
Ah, a gravidade. Tanta coisa se resume a ela.

Lembra das folhas que eles viram caindo, naquele outono em Porto Alegre.
Sente o gosto da primeira vez que as pálpebras finalmente tombaram, e enxerga as ondas que batiam nela e faziam ele rir enquanto corria atrás, tentando segurá-la o mais forte possível. E nem era pelo repuxo, era por amor mesmo.
Aquele desejo de colar no corpo dela, fechando-lhe as mãos em um abraço eternizado pelo tempo.

Pois o tempo era aquele. Que tão bom foi, mas ficou.

A gravidade também estava presente nos fins de ano. Olhando para o céu e vendo pipocar as luzes cadentes dos fogos de artifício, brindavam, sem nem lembrar que a terra estava no mesmo ponto do espaço que esteve quando eles se conheceram.

E a força que fez as lágrimas tombarem dos olhos de Maria no primeiro Natal juntos, é a mesma que fez elas cairem dos olhos de Vinícius, e se juntarem ao rio.

Ele respira, e sai.

A gravidade que empurra aquele mundo d'água geografia abaixo só precisa fazer o seu trabalho.

E quando a água evaporar, Vinicius torce para que a chuva molhe Maria, no fim da tarde de Capão.

Estarão juntos novamente. Por um breve período de tempo, relativo para os dois.
Insignificante para Maria.
Eterno para Vinícius.














Comer-Dormir-Defecar

quinta-feira, 6 de outubro de 2011
Há uma pergunta que sempre fica quando pessoas como o Steve Jobs morrem: Como ele fez?

Existe uma linha tênue que separa os meros vivedores, das pessoas que fazem. E é complicado escrever sobre isso pois é um turbilhão de coisas que passam por nossas cabeças sem ordem nenhuma. É como aquela criança apaixonada por musica que ganha o seu primeiro violão, e não sabendo tocar, toca todas as cordas juntas. O som sai feio. Sem ordem.

Como as pessoas sabem, eu não uso esse espaço aqui para expor minhas opiniões pessoais e diretas sobre nada. É tudo uma mistura de momento, com historias inventadas ou vividas, e coisas que dão sentido nisso.

Tento fazer vocês rirem, e pensar, mas me mantendo alheio a tudo. Mais como um observador, do que um instigador.

Eu acho que estou escrevendo isso agora devido a uma série de fatores que vem acontecendo, e que vem de certa forma me moldando nos últimos tempos, e que teve o ápice agora, vendo a repercussão que a morte do Steve Jobs causou no mundo.
As pessoas choram, ou lamentam, sentado em seus sofás.

Todo santo dia eu acordo e me pergunto : Como eu vou fazer para me sobressair entre 6 bilhões de pessoas?

O mal da humanidade é se comparar com o outro, como se existisse só uma receita para o sucesso.
Então, você não tendo um ingrediente listado na receita, acha que é impossível alcançar.

As pessoas querem ser reconhecidas como as coitadas, pois é tão mais comodo apontar o que lhe faltou para dar certo, do que buscar alternativas para suprir essa falta.

E dentre todas as comparações humanas possíveis, a que mais me aflige é a comparação de idéias.
E eu posso dar um exemplo que todos já viveram: Quem nunca fez uma coisa sem ninguém lhe ensinar, e se considerou genial por algum tempo, e logo depois descobriu que outras pessoas também fizeram aquilo do mesmo jeito?
É tão frustrante se achar apenas mais um.

É a mesma coisa agora.
Quantas pessoas no mundo já se sentiram como eu me sinto agora? E em quantas pessoas esse pensamento surtiu efeito, a ponto de mudar suas vidas?

Será que Mark Zukerberg, Steve Jobs, Bill Gates, Einstein, Santos Dumont, e tantas outras pessoas notáveis do mundo, que conseguiram mudar a forma de todos os "viventes" que comem-dormem-defecam vivem também eram instigados assim?


Coisa igual acontece quando recebemos elogios, de como somos inteligente, ou brilhantes.
Eu, por exemplo, nunca consegui aceitar bem isso. Eu nunca fui outra pessoa, para poder comparar se eu posso ser mais esperto que ela ou não.
Quantos de vocês também se identificam com isso tudo que eu escrevi aqui, ou a partir de agora também pensarão assim?

É difícil dizer, tão quão difícil é saber se estamos indo pelo caminho certo.

Como eu falei no inicio, esse é um texto confuso, pois é muita coisa na cabeça e falta de capacidade para alinhá-las.

Quem sabe um dia, se eu conseguir por tudo isso em ordem, as coisas fiquem mais claras.

Mas enquanto isso eu vou  comendo, dormindo e defecando.
Com o diferencial de saber que não é isso que eu quero para o resto da minha vida.

E você? O que fará para se destacar, dentre seis bilhões?



A Dama.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011
Mônica era dessas que vivia.
Saia de casa todos os dias sem nem olhar pela janela como andava o clima lá fora.
Não lhe interessava se as pessoas desfilavam de manga curta ou comprida. Ela preferia errar por si só do que errar baseado nos outros.

Assim foi na faculdade.
Preferia chutar a questão à pedir cola.
Não queria compartilhar os êxitos. E tampouco os fracassos.

Ela aprendeu desde nova o poder destrutivo que a esperança causa nas pessoas.
E a maneira que ela encontrou de sobreviver era não esperar nada de ninguém.
Assim. Tão entediante e comedido.
Mas dava certo.

Ela ia para entrevistas de emprego sem o habitual nervosismo e afobação dos outros, pois ela via aquilo como uma batalha. O entrevistador fechando a cara, não querendo que você fale além do que lhe era perguntado, mas esperando que em cinco minutos você prove que pode ser melhor que os outros cinco candidatos lá fora.
Se ganhasse a vaga, ótimo.
Se perdesse, não importava.

Dessa maneira, Mônica se diferenciava dos demais: Ela tinha aprendido a potencializar surpresas e ignorar as decepções. 
Pois a decepção é o ônus da Esperança. E isso todos sabem, pois certamente já tiveram esperança algum dia.
Ela não trabalha com o que poder vir. Ela trabalha com o que já veio.

Os relacionamentos também eram frios, assim como os frios que passava em Junho, quando achava que ainda podia sair de saia.
Na balada não dava numero de telefone. Não queria ser como aquelas mulheres que ela aprendeu a ter repulsa, que ficam reclamando no banheiro que o fulaninho nem ligou.

E com todas essas características, as pessoas pensam que Mônica é uma completa fracassada.
Mas erram.

Uma pessoa que não teme decepções é extremamente perigosa.

Perigosa no convívio.
Perigosa na cama.
Perigosa na vida.










A sombra

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Ele estava a apenas dois passos dela. Mas não tinha coragem de dá-los.
Podia sentir seu cheiro, analisar suas expressões e olhar em seus olhos.

Por um segundo chegou a sentir a textura de sua pele, no breve momento em que o sol foi encoberto e ele estendeu uma das mãos na direção dela. Mas logo a nuvem, que seguia seu destino passageiro, passou.

O calor voltou. A pressão voltou.
Algo lhe tocava e fazia todos os seus nervos reportarem ao cérebro o perigo de sair de um local protegido.

André estava sob uma grande copa de árvore que lhe abrigava do sol. A não ser por raros raios que conseguiam encontrar brechas, ele entendia que se não saísse dali, nunca seria exposto.

Disparava nela um olhar curioso.
Sabia que se tomasse coragem poderia esclarecer as coisas.
Nada era garantido, mas havia uma chance, afinal ela o esperou ali, no sol, por tanto tempo.

Via as pessoas passarem do outro lado da rua: Sorriso no rosto; planos na cabeça;  mãos nas mãos.

Os dedos entrelaçados das pessoas o faziam enxergar imas de geladeira.
Ele riu. 

Escorado no tronco da árvore, com três metros de sombra ao seu redor, André pôde perceber que as dicas estavam por todos os lados.
Ainda relutante, ele girou seus olhos pelo circulo que o enclausurava.
Tentava encontrar vantagens, em vão.

Ele encarou.
Deu seu ultimo suspiro no pleno conforto e, depois de uma brisa encorajadora, se expôs.

Há quem diga que o que lhe esperava era uma mulher.
Outros dizem que era a vida.
Os velhos da praça, quando contam essa historia, dizem que era a felicidade.


Mas quem saberá, se a historia é igual para as três?





O corno radialista.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011
Dogão se achava o cara.

Sempre que ouvia alguma história sobre traição, sorria, enviesando o canto direito da boca, e olhava para o locutor com uma expressão de desdém: Coitado. Essa história não chega nem perto da minha.
Era sempre assim.

No trabalho, na faculdade, no bar. Em tudo.
Até quando passava por aqueles grupinhos do terceiro semestre de Literatura, que discutiam, em vão, sobre a possível traição de Capitu-Escobar, ele ria.

Ele se achava o homem mais esperto do planeta.
E isso tudo porque tinha um caso com uma mulher casada.

Encontrava ela todas as quartas e domingos.
Todas as semanas do ano.

A não ser durante a pré-temporada da dupla Gre-Nal.

Dogão, que é Douglas de batismo, tinha um caso com a mulher de um conhecido radialista esportivo gaúcho. 

E isso era genial.


Quando o tal radialista saia de casa, para fazer a jornada esportiva da rodada, Larissa, a esposa traidora e meticulosa, ligava pro Dogão: - Oh! Ele já foi pro estádio. O campo aqui é todinho teu, meu artilheiro.

E o Dogão ia, sintonizava o rádio na estação do corno, e ficava lá, marcando os gols que o marido dela nunca imaginou narrar.

Perto dos 40' do segundo tempo ele calçava as chuteiras e ia embora, cansado, mas de ego inflado.

O jogo acabava e o marido ainda ficava cerca de uma hora no estádio, envolvido em  pós-jornadas e entrevistas coletivas.
Nesse meio tempo a esposa ajeitava toda a casa, estendia a cama, recolhia a calcinha de cima do ventilador de teto, e preparava um café para esperar o corno.

- Ele nunca vai saber. Eu sempre sei onde ele está! Pensava ela, que se sentia mais excitada ainda, pois considerava aquilo quase que um Menáge à tróis. 

Ela estava feliz.
A pele tinha ficado mais bonita. O ânimo era outro.

O radialista até estranhou, mas como a mudança era pra melhor, nem ligou.


Até comentou com um amigo, nessa segunda.

 - Tchê. A Larissa anda muito alto astral. Ontem cheguei em casa, ela me serviu o café de sempre e perguntou quem tinha ganhado.
Respondi que tinha sido o Grêmio, com um golaço do Douglas, e ela saiu rindo, faceira.

- To desconfiado de que ela anda mentindo pra mim.


-  Ela tinha me dito que era colorada.
































Grão de café torrado.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011
Ela sumiu feito um grão de café torrado caído em água quente.
Tchac. Bum!

E aquela gente tão incolor que se aglomerou na pista foi ganhando um ar curioso, provocante.
Vi a silhueta dela sendo diluída por pessoas iguais e precisei me aproximar pra não perdê-la.

Mas lá se foi o grão, rodando, sumindo, e colorindo.

Sai traçando seus passos num caminho fácil de cor e cheiro por entre aquelas pessoas feitas d'agua, que por serem água, não tinham cor, nem cheiro.

O seu rastro era de um amarelo queimado, tão longo quanto seus cabelos. O traçado era reverberante e ziguezagueava pelo salão.
As pessoas sem cor começaram a refletir aquele preto dos seus cachos  no olhar.
Para lá e para cá, tremia o salão.
Para cá e para lá, ia eu atrás.

As pessoas foram acumulando os olhares e eu não me incomodei com aquilo.

Quando notei já eramos todos iguais.

Meros homens que tiveram a mesma reação ao ver uma linda mulher passar.

Ela entrou no salão e animou a festa toda, tal qual esses grãos de café torrado que pintam minha água quente.

Logo entendi porque as mulheres nos chamam de previsíveis.
É sempre assim.

Com o café e com as mulheres.


















O Alvares é um covarde.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Alvares trabalha comigo, há quatro anos.

Prestativo, pontual, responsável. Assim definem-no os chefes.

Jovem, bonito, engraçado. Assim definem-no as colegas.

Ele tem quase tudo para ser um conquistador.
Mas ele não é. 

Não é pois lhe falta confiança. Alvares não tem o  molejo necessário para desviar das armadilhas que as mulheres  preparam na primeira abordagem.

Pois, veja: A mulher é como aquele amigo que chega na sua casa na hora da janta.

Você oferece aquele pedaço maravilhoso da pizza 4 queijos com bordas em cheddar, mas ele recusa.
Diz que só vai aceitar a Coca-Cola.
Mas acreditem, ele está faminto.
Ele pede a Coca só para engolir junto toda a água que lhe juntou à boca.

Mas se ele quer, porque nega?
Porque é cultural. É educado. 
Mas não é justo.

Resta ao dono da casa insistir. 
Porque, quando não se concorda com a opinião, ninguém a defende por muito tempo.
Logo, o visitante deixa o escudo cultural "nao-jante-na-casa-do-amigo" no costado da mesa, e se satisfaz com um maravilhoso pedaço de pizza.
Termina feliz, e esquece toda aquela cerimônia inicial.

Pois com as mulheres, é a mesma coisa.

Você chega nelas, e elas dizem não.
É óbvio. É impensado. O primeiro não é cultural.

É assim que os covardes perdem.

Perdem por não administrar o golpe.
Perdem por não conhecerem os sinais delas.

Não percebem que aquele olhar babante e pidão, igual ao do amigo da pizza, não corresponde as palavras secas e retas que lhe saem da boca, em meio a um sorriso: - aaaaiii, não. Pára! Pára. 

E o sorriso dela é como o copo de coca do amigo.
É um sinal de que, se insistir, logo ela sai de trás do escudo também.

Mas esse é o problema do Alvares. Ele não vê os sinais.

Hoje, por exemplo, foi a terceira vez que eu pedi a Coca.

Mas ele sempre me serve um copo e liga aquela TV.


Quanto mais eu sinto o cheiro da pizza, mais eu tenho certeza:
Esse Alvares é um covarde. Não deve pegar ninguém.

Não atenda o celular

sexta-feira, 22 de julho de 2011
Lembrei, na hora, daquela frase que ecoou pelo salão vermelho do IESA,  na reunião de estágio dos primeiros formandos de Biomedicina: "- Nunca, em hipótese alguma, usem os seus respectivos celulares dentro do laboratório. Lidamos com vidas e não podemos nos abrir a distrações."

Mas ninguém ligou muito para o aviso, pois desde o Ensino Médio, todos aqueles integrantes da geração Y já ouviam essa frase. 
No outro dia, com a barriga borbulhando, todos iniciamos o estágio curricular em Análises Clinicas.
Eramos divididos em grupos, e em setores de análises. A cada 15 dias ocorria a rotação, os grupos se ambientavam no seu novo setor e tocavam em frente aquele harmonioso laboratório-escola.

Mas eu confessarei. 
Estava tenso na véspera de uma troca de setores: Sairia da parte da coleta, onde lidávamos diretamente com as pessoas para ir ao setor que sempre gerou frenesi em quem me perguntava o que era a Biomedicina: 
- Urgh! Então quer dizer que você é quem analisa as fezes que levamos naqueles potinhos brancos?  
-Sim. Respondia, quase que me arrependendo da profissão que havia escolhido.

Mal dormi naquela noite com medo de ter pesadelos.
Seria a primeira vez que eu ficaria trancado em uma sala durante quatro horas seguidas trabalhando apenas com aquele tipo de amostra.
Mas sabia que era parte do meu trabalho, então, decidido a acreditar que me acostumaria, eu fui.

Os dias foram passando e, de fato, eu estava conseguindo lidar bem com aquilo.
Lembro que estava na bancada, preparando uma análise, quando meu bolso vibrou: Era o celular.
Disfarcei, dei uma olhada para os lados e só vi meu microscópio, o famoso potinho branco abarrotado, um copo cônico cheio até a boca de amostra diluída, laminas de vidro e, o vazio.
A professora não estava, e os colegas aproveitaram para se escafeder dali. Mas eu concentrado nem tinha percebido. Só notei que estava sozinho quando meu celular tocou.

Como não tinha ninguém ali, pensei que atender o celular seria, de longe, o menor dos crimes, visto que os outros sumiram todos. Tirei as luvas, peguei o celular e abri.
Não conhecia o numero, mas atendi:
- Alô!
Uma voz feminina sussurrante que gritava volúpia disse:
- Eu quero você, todinho. Agora!!!!
Arrepiei dos pés a cabeça. Não consegui pensar em nada a não ser:
- Hã?
A voz (que se transformou em uma loira de olhos verdes com 1,70m na minha cabeça) repetiu:
- É isso mesmo! Eu quero você. JÁ!!!!!!!
- Adivinha o que que eu estou vestindo agora! Provocou ela.

- Nada? Respondi obviamente, não sabendo bem o que dizer e tentando ganhar um tempo pra pensar no que fazer.

- Isso mesmo. Nada, nadinha, nadica de nada. E está tão frio, preciso de alguém pra me esquentar. Sai da sua casa e vem pra cá, agora! Gostoso!

- Mas eu...Mas eu não...

- Vem, AGORA.

A voz loira de olhos verdes com 1,70m de pura volúpia tinha dado o ultimato: Ela não estava para brincadeiras. Uma mulher que fala o que ela falou nunca está para brincadeiras. 
Essa era a minha chance. Era ir e desfrutar, ou titubear e.....e....e nada. Não havia segunda opção. Eu não ficaria nesse laboratório nem que me pagassem.  Eu ia! Ahhh se eu ia. 

- Estou saindo do laboratório agora. Me espera ai, do jeito que está. Disse isso e saltei com a cadeira para trás. Tão rápido que nem senti minha coxa bater na bancada.

- Laboratório? Como assim? Não é o Diego?
- Não. É o Bernardo! - Disse, grilando os olhos.

- Tuh, Tuh,Tuh,Tuh,Tuh,Tuh,Tuh! Eu ouvi isso, enquanto assistia aquele copo cônico dançando desengonçadamente por sobre a bancada, a 40cm de mim.

Quando tentei levar a mão desnuda, já era tarde.

- Tecccc!

Não havia outra palavra à pensar.
Não havia mais liquido nenhum dentro do copo.

E não houve, no IESA inteiro, quem não ouviu o meu suplício:

- MEEEEEEEEEEEEERDAAAAAAAAAAAA! 


A bunda da Cláudia Leitte

sexta-feira, 15 de julho de 2011
Ontem, olhando a final do Ídolos,  lembrei de uma história.

Eu conheço um cara que pegou na bunda da Cláudia Leitte.
É sério.

Na volta às aulas, no intervalo da aula de Metodologia Cientifica aplicada a Ciência ,ele chamou o piazedo pro cantinho e disse: - Gurizada, eu tenho uma coisa pra contar pra vocês.

Eu tremi. Confesso.
Só consegui pensar em uma coisa. : Ele vai dizer que é gay.
Não sei porque pensei isso. Talvez porque ele tenha a letra bonita, se vista bem, tenha um C3 e não tome chimarrão.
Ou porque é isso que todo homem pensa quando outro homem diz essa frase. Sei lá.
Mas sei que a gurizada compartilhou da mesma opinião, porque na hora se entreolharam e subiram as sobrancelhas, na típica expressão do - aí vem.
Então, o suspeito sentou e sorriu, como sorriem os que detêm um segredo, e disse: - Eu passei a mão na bunda da Cláudia Leitte.
- Hãn?
- Eu passei a mão na bunda da Cláudia Leitte. Na bunda mesmo. Da Claudinha. 

Antes que alguém perguntasse algo, ele cruzou as pernas daquele jeito que a mãe da gente cruza enquanto faz tricô e ficou balançando aquele pézinho 39 ( mais um motivo para minha suspeita inicial) e começou: 
"- Que bunda, amigos. E que sorte que dei. Nessas férias, minha tia, que é podre de rica, me convidou pra fazer um cruzeiro pelo nordeste junto com a família dela. Eu topei na hora, apesar de ter medo daquele balanço do mar.
Lá pela sexta noite, quando atracamos em Porto-Seguro, aconteceu o main-event da viagem. E adivinhem de quem era o show? De quem? De quem? Da Claudinha."

Aquilo começou a me irritar. Só porque aquele cara tinha passado a mão na bunda da Cláudia Leitte não significava que ele podia chamar ela de Claudinha.
Arrrrgh. Só eu podia chamar a Claudia Leitte de Claudinha.

Mas voltemos a história do cara que tinha medo do balanço do mar (hmmmm): 
"- Os shows de cruzeiros são muito intimistas, nem parecia que ela era uma super-estrela. Passava pela frente do palco, que tinha mais ou menos um metro de altura, e pegava na mão dos fãs, assim, toda pomposinha.
Mas sempre que ela ia para o canto direito, que era onde eu estava, eu não alcançava.
Tentei umas três vezes. Então eu pensei: Que graça tem dar a mão à ela? 
Eu vou é passar a mão na bunda.
Fui mais pra frente e fiquei, alí, na espreita.
A hora que ela viesse pro meu lado eu iria depositar meus cinco dedos naquele pedaço de carne macio, empinado e desnudo.
E ia apertar, pra ela poder sentir.
Cantou mais umas duas musicas, e veio vindo. Cantava um pouco, dançava, e vinha.
Minha cabeça já nem ouvia nada, só media a distância. E media, e media.
Então, depois de um giro por sobre a sua roliça e apetitosa perna direita, ela se aproximou. 
Eu nem pensei duas vezes, me atirei pra frente e peguei. 
Com força. 
Com vontade. 
Com orgulho.
Com um sorriso no rosto, amigos, eu senti a bunda da Cláudia Leitte em minhas mãos.
Ela disfarçou, me fuzilou com os olhos mas se foi, cantando, saltitante, toda plim-plim."

Emudecemos.
Trocamos olhares, rimos, e saimos.

Nunca, ninguém mais tocou no assunto.
Preferimos deixar a glória dele esquecida, porque era difícil para nós admitirmos que invejávamos isso justamente do purpurinado.

Pois veja só:

1. Mesmo que fosse mentira: invejávamos não ter sido o inventor da história.
2. E se fosse verdade...
Bem, se fosse verdade, até o caro leitor estaria com inveja.
Não é?

Aconteceu no Banditt Pub.

quarta-feira, 6 de julho de 2011
Existe vantagem em tudo. Até em não beber na festa.
Depois dessa cara de desconfiado e a contração do lábio inferior que muitos devem ter feito, eu explico:
Esses dias fui em uma balada num pub são-luizense legitimo. Aqueles que inflam o ego do mais chinelão que entra por aquelas portas de vidro.
Tudo muito bem, tudo muito bom, eis que, lá pelas três da manhã, eu vi uma cena que me salvou a noite:

Vinham andando um baixinho feio e uma morena linda de mãos dadas, pelo meio do salão.
O pequeno cavaleiro tomou a frente, como que um batedor da policia que garante o caminho a ser feito pelo Papa, ou Presidente, ou outra coisa qualquer.
Vinha ele: Peito estufado, mão esquerda a frente, empurrando os que lhe atravancavam o caminho; mão direita atrás, segurando a morena de lábios carnudos, bochechas rasas, olhos cor de mel, enfiada em um vestidinho branco que lhe marcavam a silhueta dos glúteos.
Demais, demais.

O baixinho ia abrindo um corredor e a morena vinha logo atrás. Andaram cerca de 7 metros e, então, o pequeno cavalheiro deparou-se com um amigo dos bons. Não conheço-os, mas julgo ser, pois ele o abraçou com o braço esquerdo e ofereceu-lhe um gole de sua Heineken.
O cara ficou parado, mas na mesma posição que vinha, de costas para a mulher.
Eis que do ponto cego dele surge um terceiro personagem, que eu não sei bem de onde saiu, e se deposita ao lado da morena.
O baixinho conversando com o amigo, e atrás dele a namorada sendo galanteada por um Ricardão inconsequente.

Dediquei minha atenção ao momento, pois achei que ia ser engraçado ver o toco que o Ricardão ia tomar, ou, na melhor das hipóteses, observar uma troca de sopapos. Mas não!

Eis que acontece o inesperado: O Ricardão se aproxima da morena, deposita sua mão direita na nuca da menina e tasca-lhe um beijo.
Mas um beijo.
E ela correspondeu, amigos. Com muita habilidade, pois nem mexeu, sequer, a mão que estava estendida logo a frente, presa na do seu namorado.
Eu não sei quanto durou o beijo, fiquei extasiado.

Então o Ricardão some, do mesmo jeito que apareceu.
O amigo do pequeno pônei se vai, e o casal segue, lindo, leve e solto o seu desfile truculento pelo salão.

Essa é a vantagem de não beber em festas. Se vê cada coisa.
Com certeza, se tivesse bebido naquela noite, não lembraria. E a morena infiel permaneceria no anonimato.

Mas repito: EU VI, MORENA.

EU VI.

O que é inato nas mulheres.

quarta-feira, 15 de junho de 2011
Inadmissível. Injusto. Revoltante.

Marcelo pensou tantos adjetivos naquela noite que, nem que eu tente, conseguiria transcrever aqui.
Em pleno 12 de Junho, ele jantava em casa um carreteiro requentado. COM SUA MÃE!

A raiva era tanta que ele estraçalhava uma folha de alface com um prevalecimento absurdo. Nem a costela da vaca mais velha que ainda pasta nesse mundo merecia tamanha violência.

E olha que isso tudo foi antes de a sua mãe errar: - Filho, cadê a Amanda? Não me diga que brigaram em pleno dia dos Namorados!

Ele parou.
Ergueu a cabeça e mostrou-a seus olhos flamejantes. Terminou de deglutir o talo do alface, respirou fundo e disse: - Não mãe. Ela está em casa, se arrumando.
A mãe persiste no erro: - Arrumando pra quê? Eu acho que nem deve haver mais vagas nos restaurantes a essa hora da noite.

Marcelo apoia ambos os cotovelos na mesa, passa os dedões por sobre as têmporas e entrelaça os outros 8.
Olhando  para o encaixe que os dedos formavam, ele parece se esconder de sua progenitora.
É difícil pra ele, pode acreditar.

Como dizer pra sua mãe, que além de tudo é uma mulher também, que Amanda está trocando-o por impulsos inerentes de uma mulher?
De que maneira admitir que ela está ficando mais bonita, em pleno dia dos namorados, para outra pessoa, que não ele?

A gente sabe o que dizem sobre as mulheres. De como elas são competitivas, ciumentas, vingativas, possessivas, egoístas e tudo mais, mas Marcelo nunca tinha evidenciado esse comportamento em Amanda.
Não desde aqueles comentários atentosos proferidos por aquele cara.
E ele nunca imaginou o poder que esse impulso inato exercia sobre ela.

Deus, depois daquilo tudo mudou.

Ela nem toma chimarrão com ele nos fins de tarde, porque essa era a única hora que ela tinha para ir no salão de beleza.
Ela começou a pensar só em si mesma. De como tinha de se comportar, do que comer, ou usar.

De que cremes comprar, perfume exalar e banhos de ervas tomar.
Era tanta coisa que ela até esqueceu de comprar um presente de dia dos namorados para o Marcelo.
Mas essa, nem de perto, era a maior preocupação dele.


Como contar isso? Me diga
Como dizer para a sua mãe que Amanda traía a cumplicidade construída em 3 anos com pensamentos em outros.
Pior, gente.  Muito pior: Pensamento em Mulheres.

Morenas, loiras, ruivas. Altas, média, baixas.
Onde antes haviam sonhos, recordações e afeto, agora estava tomado por convicções de como todas essas outras são lindas, e ao mesmo tempo, tão ridículas.

Céus, Marcelo não tinha coragem de contar isso, nunca. Nunca.

Ele não disse mais nada na mesa, levantou e foi tomar seu banho, desejando que, nessa noite, tudo volte ao normal:
- Miss São Luiz. Que ao menos seja Amanda a nova Miss São Luiz.

As Rodas

terça-feira, 14 de junho de 2011
Ramiro está a milhão.
Na cabeça muitas idéias, percepções, imagens e sons.
No velocímetro: 140 Km/h.
Lá fora: chuva.

Agora ele pensa como o destino é safado: quando saiu de casa, no impulso, esqueceu todos os Cds.
Vinha lutando com as subidas e descidas daquele vale para conseguir sintonizar a FM.
E aquela montanha-russa de asfalto  pregou-lhe um desafio: A música.

Ele vinha tranquilo, pensando na Pâmela, aquela loira linda que habitou seu pensamento durante toda a semana, quando, como que uma mensagem do além, em meio aquele chiado de estática surge uma voz e um violão.
E digo, não há no mundo dupla melhor que voz e violão.

Nem Queijo-Goiabada; Pelé-Tostão; Romário-Bebeto; Vinho-Lareira. Nada.


Começam os dedilhos de um acorde:
- "As pessoas têm o direito de voar, e voarão quando se comprometerem. Seus corações dizem: Siga em frente! Suas mentes dizem: Te entendi, coração. Vamos seguir em frente..."

 Shhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!

Ele pisa fundo, precisa escutar o resto.
O velocímetro e o carro sobrem a estrada:
- "Porque alguém está voltando pra casa, com uma única rosa na mão.." Shhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!
"É esse o caminho que essa roda continua fazendo agora. É esse o caminho que essa roda continua fazendo agora.." Shhhhhh!

Ele vai, mais e mais. Mas a música não volta. E talvez nem fosse mais preciso.
Ele entendeu a mensagem do destino: Sempre há uma perspectiva.

Notou, que, mesmo no desatino do seu impulso, as coisas começaram a trabalhar para que Pâmela ficasse mais próxima.


E cantarolando ele foi.

Suas rodas giravam e empurravam a distância para trás.
A chuva que subia o pára-brisa parecia tentar agarrá-lo.

Mas ele foi.
Cantarolando, Ramiro foi.



_____

A Música em questão é Wheel. Do John Mayer.





Quem é o egoísta?

Havia um pai e dois filhos.

Sobrevivente de um Brasil difícil, o pai sempre se preocupou com a honra e sustento da família. Se tornou um escravo do capitalismo.
E isso não é expressão, era fato: Só queria dinheiro, dinheiro, dinheiro. O importante é ganhar, ser feliz a gente deixa pra depois. Demora muito ser feliz, precisa-se planejar. E quem planeja precisa de tempo. E tempo é dinheiro. Dinheiro, dinheiro dinheiro.

O filho mais velho, sempre incomodado por ter perdido a mãe cedo, e de certa forma, carente de exemplos, seguiu pelo mesmo lado.
O mais novo não.
O mais novo não se importava com dinheiro. Ele queria poder sorrir enquanto trabalhava. Queria fazer o que gostava.

Hoje, o pai com 58 está jantando na casa do filho de 38, que está pagando a janta.
Em uma cadeira está o outro, com 27.
Só um sorri.
Ele é egoísta?

Será que é ele o egoísta?

Mais uma lição adolescente

segunda-feira, 6 de junho de 2011
Rafael lembrava com um sorriso no rosto o tempo de adolescência.
Fora quase tudo perfeito: Amigos, festas, descobertas, amores.
Mas, ainda hoje, há uma coisa que o incomoda.

Havia na cidade a garota mais linda, assim como em toda a cidade há.
Mais: Ela era amiga dele.

Ela sabia quais musicas ele tocava no teclado quatro oitavas que ganhara do seu tio; Ele sabia que ela só comia alface se fosse com sal.
Sabiam mais: Sabiam tudo sobre o outro.

Na verdade, achavam que sabiam, pois o mais importante foi esquecido: Eles se amavam em segredo.

Diversas vezes, ambos imaginaram como seria se eles se declarassem.
Cristina sabia que não poderia passar do limite: Ela tinha feito de tudo para demonstrar que se importava com ele. Mas poxa. Ela era a garota mais desejada da cidade e só ligava para dar boa noite à ele. Ninguém mais.
Como ele não juntava os pontos?

E Rafael desconfiava disso tudo, mas tinha medo.
Teve tanto medo de perdê-la, que no fim, perdeu.

O tempo de escola passou e eles tomaram o seu rumo.
Hoje, cinco anos depois do ocorrido, ele sabe que não há mais tempo.
E é irônico, porque o tempo que era a chave de tudo: Se ele tivesse segurado ela por 6 segundos a mais em seus braços no dia em que ela completou 17 anos, talvez ela sentisse.
Se ele tivesse dedicado 3 segundos a mais no dia que se dispôs a esquentar as mãos dela, talvez ela sentisse.
Mas não. Ele não fez. E ela nunca sentiu.

Essa não é uma história exclusiva de Rafael e Cristina. 
Essa é uma história que acontece com quase todo o adolescente.
Aconteceu comigo também.

As vezes me pergunto se isso não seria só mais uma lição que essa época da vida nos trás: O tempo passa rápido.
Ah, se passa. 






Valentina, uma morena daquelas.

quarta-feira, 25 de maio de 2011
Se alguém visse Augusto, pensaria que ele está em apuros. 
Com as costas escoradas, pernas flexionadas, mãos espalmadas sobre a parede e uma expressão de terror ele segurava desesperadamente aquela porta.
Mas não havia ninguém do outro lado.

Augusto não estava com medo do que poderia entrar, mas sim do que encontraria quando saísse.

Seu condomínio era o maior da cidade, com cerca de três mil moradores, cinco prédios, inúmeras crianças mas apenas uma morena daquelas. 
Daquelas de parar o transito. Daquelas de instigar a criatividade dos pedreiros. 
Daquelas que nasceram projetadas para ostentar aquele nome: Valentina. 

Augusto interessou-se por aquela mulher antes mesmo de vê-la. Quando ele leu aquele nome na relação de candidatos a síndico maravilhou-se. Sabia que a dona daquela graça deveria ser bela. Mas não imaginava tanto. 

Sentado no Playground, tomando um chimarrão ele começou a pensar quem seria Valentina. 
Recapitulava em sua mente todas as mulheres que ele já havia visto naqueles 20 dias de vizinhança mas não conseguia descobrir. 

Então, enquanto roncava o chimarrão percebeu duas coisas. 
Um: Nunca saberia quem era Valentina se não parasse de tentar adivinhar, e perguntasse. 
Dois: Ela tinha 99% de chances de ser casada. Que mulher solteira gostaria de ser síndica de condomínio? 
Logo ele descobriria que um desses dois pontos estava errado.

Ao cair do sol, ainda encucado, Augusto deu de mão na sua garrafa térmica e decidiu subir para tomar um banho.
Entrou no Elevador, pressionou a tecla 4 e quando fechavam-se as portas, uma mão com unhas vermelhas impediu que o elevador partisse. 
- Clac. Fez a porta. 
- Oi, disse a mulher. 

Augusto soube na hora quem era aquela mulher de pernas torneadas que entrava no elevador cheia de sacolas. 
Mas não pense você que descobrir que aquela era Valentina havia sido uma manobra talentosa. Ele, de fato não advinhou quem ela era. Muito menos perguntou.
Ele leu no uniforme: 

Valentina - Vendedora
Livraria Abre Aspas. 

O destino soprava ao seu favor. Salve o inventor do uniforme.

- Eu lhe ajudo com as sacolas. Disse Augusto, soltando a garrafa no chão.
- Obrigado. Respondeu a mulher, entregando o saco de papelão que tapava-lhe o rosto.
A porta fechou e eles subiram.
Nem o dono da melhor lábia do mundo conseguiria ter uma conversa produtiva nos míseros dez segundos que o elevador demorou para chegar no primeiro destino, quanto menos Augusto.
Depois de dizer oi e o seu nome, ele já estava se despedindo. Na sua frente escancarava-se o corredor do quarto andar e ele precisava sair.

Passou uns dias e Augusto decidiu vê-la de novo, então teve uma idéia.
Iria comprar um livro.

Perguntou ao porteiro do condomínio onde ficava a livraria Abre Aspas, e lá foi.

Quando chegou, foi em direção a Valentina:
- Oi. Quero um livro.
- E qual seria, Augusto? Respondeu a morena com um sorriso cheio de malícia. 
- Ah, não sei. Qual você indicaria pra mim? Perguntou o encantador barato.
- Hum. Acho que eu tenho um. Vou buscar.

Valentina voltou logo depois com um livro embrulhado em papel de presente e disse:
- São R$ 22,00. Vizinho. Mas você só pode abrir em casa.
Ele pagou e foi embora com a barriga borbulhando: Que livro seria aquele? Que mensagem ela quer passar?

Ele chegou em casa, trancou a porta e correu para o sofá.
Como que num ritual digno de quem olha um listão de vestibular, Augusto foi lentamente tirando aquele livro de sua embalagem.
Na parte inferior da capa ele conseguia ver algumas pernas femininas. 
Foi puxando mais o livro e surgiu uma palavra: Casada.
Ele resolveu terminar com aquele mistério desnecessário e puxou com força.

Então, de repente, ele colou no sofá. Na boca um sorriso, nos olhos uma certeza, e em cima da mesa um livro: Como seduzir uma mulher casada .

Apuros.
Agora sim Augusto estava em apuros.

A boca que derruba um castelo

quarta-feira, 18 de maio de 2011
Vocês, definitivamente, me frustram com essa hipocrisia. 

Criaram a idéia de que devem se afastar de mim o quão rápido puderem, como se meus braços fossem tentáculos da infelicidade, e que o simples soar da minha graça fosse digno de um sinal da cruz. 
Difamam o meu nome aos quatro ventos, e as vezes até transformam-me em adjetivo, para o simples e puro prazer de me jogarem aos outros. Que engano. 

Desejam, da forma mais sincera e amiga, que ninguém se prenda à minha companhia, enquanto, horas depois, é a mim que recorrem, em meio a lágrimas e soluços. 
Sou eu que ouço os nomes que vocês sussurram no meio da noite. 
Sou eu que cuido-os enquanto dormem. 
E é a mim que clamam quando não aguentam mais. 

Mas vocês sentem vergonha perante os outros de estarem comigo. Vocês esquecem que tudo o que conhecem está levantado sobre os meus ombros. 

Apenas eu sei como vocês são de verdade. E é tão legal saber que apenas eu posso derrubar o enorme castelo de cartas em que todos vivem. 

Você acha que suportaria a pressão de dizer as coisas que ninguém pode ouvir? 
Você já imaginou como seria a sua vida se nunca pudesse ter um momento à só? 

Para que entendam, usarei de um eufemismo: Como mudaria a relação de vocês, se simplesmente, o lado negro da lua fosse exposto? 

E se alguém ainda não entendeu, a lua representa vocês, humanos. E o lado negro é tudo aquilo reprimido e vergonhoso que fazem questão de manter escondido, e só expõem quando eu estou presente. 


E quem sou eu? 
A solidão, oras. 

Quem mais saberia tanto sobre ti?

A comédia romântica

terça-feira, 10 de maio de 2011
Atônito, triste, iludido. Assim estava Eraldo, cinco minutos após o termino da primeira comédia romântica que viu em sua vida.

Enquanto todos já esvaziavam a sala confortável do Cine Lux, ele permanecia ali, acomodado na poltrona 41, tão menor do que quando sentou. Olhava para a tela com os ombros encolhidos e via muitas coisas, menos os créditos que subiam.
Ao seu lado, um saco vazio de pipocas, duas latas de refrigerante e 4 canudinhos mordidos.
Nenhuma mulher. Nenhum sorriso. E em 27 anos, nenhum final feliz.

Ele trabalhava demais, pouco se dava ao luxo de ir ao cinema, quanto mais comprar um aparelho de DVD.
Aproveitava as noites de filme na TV para dormir cedo, chegar ao serviço no raiar do dia e trabalhar mais.
Dizia que só o trabalho poderia curar tudo e manter a mente ocupada a ponto de não pensar no que é preciso esquecer. Mas todos comentavam que Eraldo nunca teve alguém para amar, e assim, ter de lutar para esquecer.

Porque no fundo é isso que todos nós fazemos: Lutamos, vencemos e esquecemos. Simples no final. No final.


Mas na quinta-feira ele ouviu o comentário de um colega enquanto passava para buscar umas folhas na impressora:
- Ontem levei a Natália no cinema. Vimos uma comédia romântica muito boa. A noite depois daquilo foi uma loucura.
Ele pegou os papéis e voltou para a sua mesa se perguntando como poderia uma mistura de romance com comédia ser legal. Puxou o jornal A Notícia de quarta e procurou os horários de exibição no cinema. Decidiu que precisava ver aquilo. Adorava comédia. Julgou que era necessário rir um pouco, além do que, sexta era a sua folga. Anotou na sua agenda: Cine Lux, última exibição às 21h. E conforme o planejado, lá foi.

Agora, às 22h53min ele nota que errou.

Olhando para a tela ele se pergunta por que diabos ele esteve à beira de chorar vendo um filme intitulado comédia. E não choraria pela história do filme, ou pela atuação impecável de uma atriz. Mas sim porque percebeu naquelas quase duas horas que nada do que foi exibido parecia ao seu alcance.
Se aquilo era a receita para a felicidade, ele não possuía nenhum ingrediente, e nem sabia onde arranjar.
Ele demorou, mas levantou-se e foi embora. No outro dia, ignorou sua folga e chegou ainda madrugada na empresa.

Desde então esse virou o seu vício. Toda quarta ele folheia o A Notícia em busca de uma comédia romântica em exibição no Cine Lux.

Ao menos assim ele tem algo para esquecer enquanto trabalha: O final feliz.
O maldito final feliz.

Derrota, embaraçosa derrota

sexta-feira, 6 de maio de 2011
A porta trancou e alguém distraído deu com a cara no vidro.
Eu sei disso porque vi Celso, o segurança, rir disfarçadamente depois do barulho. Ele fez alguns sinais, e segundos depois a porta, enfim, girou.

Dela saiu uma loira, linda e sorridente, com as bochechas vermelhas, não sei se por proveniência da batida, ou da vergonha.
Ela não era cliente. Se fosse, eu certamente saberia o nome dela. Acho que ela veio só trocar um cheque. Dirigiu-se à máquina de senhas, pegou seu número e sentou-se na penúltima fileira.

O banco não estava lotado, era perto do fim do mês, todos os aposentados já haviam retirado seu dinheiro e esse fato diminuía consideravelmente o movimento.

Olho para o painel, o próximo a ser chamado seria o 34. Dou uma olhada rápida para saber quantos clientes ainda esperam: são 4. O Almir; Seu Arlindo; Uma grávida; Um cara de bigodes.

O Seu Arlindo e a Moça grávida devem ter retirado as senhas especiais, portanto estão fora da ordem crescente do 34. Sendo assim, acho que o numero dela é o 36. Isso se nenhum engraçadinho retirou uma senha e foi-se embora. Odeio isso porque sempre atrapalha a minha estratégia na hora de escolher quem quero atender. E acredite: isso acontece direto. É só demorar um pouco mais em umas operações, apurar em outras e tudo dá certo.

Quando eu estou em um banco, sempre torço para que uma mulher bonita chegue depois de mim. Esse fato faz com que todos os caixas homens trabalhem mais rápido para terem a chance de atendê-la e vangloriar-se de ser o único a saber o nome dela na hora do cafezinho. Ao menos aqui é assim.

E é isso que vai acontecer agora. o André e o Michael já me deram o sinal com a cabeça.

- Pííí !

Aperto o botão. O Painel mostra 554. Senha especial. Levanta-se Seu Arlindo, como o planejado, e vem.
Em meio ao pagamento de umas multas ele tenta puxar um papo sobre o Gre-Nal de Domingo, mas eu dou respostas curtas e evasivas para evitar as delongas. O velho é colorado doente.
Quando estou finalizando escuto outro apito: -pííí !

Olho para o número, 34. A moça grávida já deve ter ido, porque voltou a ordem crescente. Levanta-se o Almir com a 34 na mão e vai para o guichê do André.

O apito soa de novo e o Bigodudo pula da cadeira e vai ao encontro do Michael.

Glória, glória. Já sinto a alegria da vitória expressando-se em meu rosto enquanto aperto o botão e grito o número bem alto, como que pra comemorar a vitória:
- 36, por favor!

Mas não! Não!
Vem a grávida e me entrega o papel com o número 36 . Céus, ela pegou a senha errada!

Porque as pessoas tem a mania de não ler as instruções? Odeio grávidas, odeio.
- A senhora sabia que grávidas tem preferência nas senhas do nosso banco? Você não precisaria esperar tanto.

- Mas eu não estou grávida! Responde a gordinha com cara de choro. 

Derrota.
Triste derrota.
Embaraçosa derrota!

A meia soquete

terça-feira, 3 de maio de 2011
Gilberto estava em férias. Tirou 15 dias da farmácia para curtir um pouco do frio sem precisar acordar cedo. O resto ele reservou para o verão, queria ir à praia com a sua namorada. Mas havia um detalhe: Ele não tinha namorada. Ainda.

Ele planejou tudo isso em um dia de Janeiro, quando entrou na farmácia um casal risonho e envergonhado que logo abordou-o no balcão:
- Amigo, precisamos de tudo o que há nessa lista. Disse o homem entregando-lhe um pedaço de papel com vários itens.
- Pois não, verei o que posso fazer. Respondeu Gilberto.

Leu a lista e tratou de buscar o que foi pedido: Creme hidratante, protetor solar, bronzeador, creme dental, duas escovas de dentes, fio dental, enxaguante bucal, aspirinas, sal de frutas e, POR DEUS, 45 camisinhas com sabores variados. 

Enquanto ele sortia os sabores de camisinhas ouviu:
-Amigo, a farmácia aceita cartão? Trinta dias? Vamos passar duas semanas na praia e não quero ficar sem grana.

Gilberto, que sorria enquanto fresteava a moça por entre dois guichês de desodorantes respondeu que sim, pensando para si: - Que cara sortudo. Praia, sol e uma morena dessas. Eu também quero isso para mim, ah se quero.
O casal pagou no cartão, entrou no carro e rumou ao litoral enquanto Gilberto ainda fazia as contas de quantas vezes por dia eles transariam para gastar todas aquelas camisinhas.

Ele se sentia bem. Há muito tempo não traçava planos em sua vida: - Praia, sol e uma morena. Era o que ele queria. Era o que ele precisava. E era em cima disso que ele iria trabalhar.


O verão findou-se e ele não viu mais o casal por aquelas redondezas. Já nem lembrava seus rostos, mas haviam detalhes em cada um deles que era impossível de esquecer: A boca de um tom vermelho carne da moça e a meia soquete no meio da canela do cara.
Céus, aquilo era um sinal de que ele podia sim atingir os seus planos. Era o sinal de que os tempos mudaram.
Lembrava-se bem dos coleguinhas de escola fazendo piadas sobre a altura de suas meias. De como elas o deixavam parecendo um nerd, guri mijão, colono e tantos outros adjetivos pejorativos que ele preferia nem lembrar.

Mas aquele cara com meias nas canelas o fez acreditar que ele também poderia ser, enfim, feliz.

Gilberto começou a gastar quase todo o seu salário em baladas, sempre procurando por morenas de lábios colorados dispostas a aceitar um drink. Perdeu as contas de quantas mulheres com essa descrição encontrou, mas lembra-se bem de como todas elas olhavam de cima à baixo aquele cara sentado em um banco de bar.

A análise começava pelo rosto. Enquanto elas olhavam, não esboçavam nenhuma expressão de espanto, e isso era bom. Na verdade, era ótimo.

O olhar descia até o tórax. Viam-se algumas caras de decepção quando constatavam que Gilberto não era bombado. Mas o processo seguia e terminava da mesma maneira: Risos. Intermináveis risos.

Todas elas caiam na gargalhada quando viam aquelas meias soquetes esticadas nas canelas de Gilberto.


E era sobre isso que ele pensava agora, deitado no sofá com um moleton velho, calças curtas e meias palmilhas que deixavam todo o frio da sala atacar as suas canelas:
- O que não se faz por praia, sol e uma morena, amigo? Diga-me. O que?



Toninho, o Príncipe do Brasil.

terça-feira, 26 de abril de 2011
O príncipe brasileiro estava muito preocupado.

A família real estava pressionando-o há anos: ele deveria casar.
Precisava encontrar a nova princesa do Brasil. Uma mulher que enchesse o país de cor e beleza, alguém que colocasse a família real brasileira de volta às manchetes. Uma mulher que pudesse ser admirada, e quem sabe até ser chamada para uma entrevista no Jô Soares.
E ele sabia que o momento era esse, visto que não se falava em outra coisa a não ser o casamento do príncipe Galês, William.

O chefe da casa imperial brasileira chamou-o e disse:
- Toninho, tu deves encontrar uma Kate Middleton para ti. Nós precisamos disso, temos que pegar carona nessa onda real que se espalha pelo mundo. Dou-lhe total apoio, ela pode ser até uma plebéia, isso mostra igualdade, é ótimo.

Antônio Lara de Orleáns e Bragança saiu atordoado de casa. Sim, ele ainda morava com o Rei e a Rainha do Brasil, no Leblon. O país já nem dava bolas para eles, teve todo aquele lance de ditadura, depois veio o presidencialismo com um operário comandando o país, depois uma mulher, e eles foram gradativamente sendo suplantados. Seu pai odiava isso, mas Toninho nem ligava, adorava o anonimato. Podia sair e beber todas pois sabia que no outro dia só ganharia uma ressaca, nada de notas em jornal.

Sentou-se no boteco da esquina e ficou pensando na proposta do pai. Ele estava com 28 anos e achava que era mesmo a hora de casar-se e sair de casa. Tivera muitas namoradas, mas nenhuma que o encantasse tanto a ponto de propor-lhe um casório. A não ser a Gabriela, mas ele nem gostava de lembrar.

Ah, a Gabriela era linda: Cabelos morenos de um preto breu, pele branca de traços fortes com olhos verdes protegidos por longos cílios em leque que pareciam te abanar a cada piscadela. Peitos médios e rijos e uma bunda de dar inveja a madrinhas de escola de samba.
O príncipe a conheceu na faculdade. Fazia Educação Física, ela, Direito.

Namoraram por três anos. O Rei e Rainha a adoravam, pois era uma garota muito espirituosa. Todos os domingos, enquanto o Rei assava uma picanha só de bermudas no pátio da casa ela gritava:
- Sogrinha, pode deixar que a maionese eu mesma faço.
E no fim das refeições, como uma bela súdita, sempre se prontificava a lavar a louça.

Todos acharam que dali sairia um casamento. Até o príncipe.
Mas quando o romance se encaminhava para o matrimônio houve um rompimento.

Ela, em meio a uma crise de histeria proveniente de sua TPM implicou com o Toninho porque ele tinha ido ao jogo do Vasco bem no dia do aniversário de namoro.

Ele tentou argumentar, dizendo que era um jogo muito importante, pois o Vasco lutava contra o rebaixamento, mas não teve jeito. Ela mandou-o pastar e temperar com sua imaturidade.

Ficaram duas semanas separados, e Toninho em total desespero. Ligava todos os dias mas ela o ignorava sempre. Até que um belo dia, eis que bate em sua porta Gabriela, aos prantos. Com mil pedidos de desculpas e duas mil juras de amor eterno.
Eles reataram, mas o romance não durou muito mais tempo. Dizem que o príncipe descobriu o que Gabriela fez nas duas semanas em que ficaram separados.

Não se sabe ao certo de que maneira ela viveu estes catorze dias, mas foi suficiente para destruir tudo o que ele nutria por ela.

Ele levantou da cadeira e foi até o balcão do boteco:
- Diz ai Batista, mulher é tudo igual, aqui e na Inglaterra, né?
- Mas com certeza Toninho, por quê? Responde o Batista, limpando a testa com o pano pendurado em seu ombro.
- Porque eu tô com pena desse príncipe William ai, que vai casar sexta, agora. Ele ficou separado da noiva por três meses, sabia?
- Não sabia não Toninho, mas o que que tem de mais nisso?
- Ah, Batista. Três meses é muito tempo pra uma mulher solteira. É muito tempo mesmo.

O príncipe brasileiro deu de ombros e se foi, com os olhos marejados:
- Plebéias. Ah, plebéias.

O bis branco

terça-feira, 19 de abril de 2011
Gérson entrou no mercado em pleno estado de desespero.
Trabalhou em dois turnos nos últimos 5 dias e acabou esquecendo do pedido da amada:
- Xuxu, não precisa gastar nada comigo na páscoa, tá? Eu só quero uma caixa de bis branco. Branco, viu Gérson? Eu sou uma mulher diferente da maioria, nem gosto tanto assim de chocolate.


Aquilo tinha acontecido no domingo passado, ele tinha a semana toda pra comprar, mas o idiota do Cícero tinha que chamar justo ele pro plantão. Porque não chamou o Alcídes que não tem família, e nem namorada? Foi o Cícero que o colocou nessa situação, maldito.
Cícero era o seu chefe imediato lá no hospital. Gabava-se por ser o enfermeiro-chefe mais novo da história do Hospital Protássio Engers. Mas ele era um completo idiota. Todos sabiam que ele só estava lá por causa de sua noiva, que veja só, era neta do homem que emprestava seu nome ao hospital.

Nessas situações Gérson via como o mundo era injusto. Ele foi colega do Cícero na faculdade, e sempre foi melhor que ele. Nunca errou o nome de um osso nas aulas de Anatomia, nem o nó em uma aula de sutura. Sabia de cor a características de todas as células do sangue e até mesmo discordava dos diagnósticos que ele ouvia no seriado do Dr. House.

Ele exclamava na sala da enfermagem: - Como isso, House? Uma leucemia sem tu pedir um Hemograma? Tá errado isso, ta muito errado.

E depois de passado todos aqueles anos de dedicação e martírio, é chefiado por um cara que sabia muito menos que ele, e que só por birra o escalou em semana de páscoa.

Mas sábado ele conseguiu sair mais cedo e correu pro super mais próximo.
Chegou em estado de vigília total, as pupilas dilatadas e todos os sentidos em prontidão.
Ele sabia que quem estava no super a essa hora tinha esquecido de algo, e estavam todos algozes pois sabiam que os melhores chocolates já haviam terminado.

Passa como um raio pelo corredor de banho e pega a esquerda na encruzilhada.
Cruza com maioneses e massas em promoção, nem olha o preço da cerveja, e ruma ao norte.
A distância de dois guichês avista a padaria e se frustra. Já está chegando ao fim do mercado e nada ainda, ele não podia dar-se ao luxo de perder tempo sabendo que talvez houvesse poucas caixas de bis brancos a serem arrebatadas.

Ultrapassa os freezers vazios, que provavelmente conservavam os peixes de todos os almoços de ontem e, bingo, surge diante de si uma grade com ovos de chocolate pendurados.

Gérson corre até lá, e a 30 passos de distancia enxerga o seu alvo. A caixa de bis branco. Uma só, mas não importa, seria a sua.

Graças a deus, a salvação. Sorri satisfeito.

Mas não, droga. Uma mulher está indo em direção a ela, com a mesma avidez.
Uma caixa, duas pessoas.

Ela enxerga Gérson e apura o passo. Uma olhada para a caixa, uma para o enfermeiro. Uma para a caixa, uma para o enfermeiro.
Ele faz a mesma coisa. Chegam juntos:
- É minha. Diz a linda mulher enquanto entrelaça os longos dedos na caixa retangular
- Moça, por favor. Minha namorada pediu apenas uma caixa de bis brancos na páscoa, eu trabalhei a semana toda e a única chance que eu tive para comprar o presente foi agora. Seja altruísta, por favor!
A mulher sorri e diz:
- Pois então trate de ir pensando numa boa desculpa para dar a ela. E dá de ombros.
Gérson entendeu tudo.
Que mulher abdicaria de seu desejo chocólatra apenas para fazer o bem ao outro?
Não existe ética feminina quando o assunto é chocolate.

Ele suspira, transparecendo o medo de ir para casa.
- Tomara que ela seja mesmo diferente.

Aquele verde que só Nery viu.

segunda-feira, 18 de abril de 2011
Ele calçou os óculos na expectativa de que o resultado fosse nada diferente do que o médico falou:
- Você verá o mundo melhor. E deu um sorriso canalha, tipo como o dos atores quando dizem um clichê.

Saiu do consultório estremecido. Ou o médico estava certo, ou o mundo mudou por si só naqueles 5 minutos.
Notou que a secretária já não era tão bonita, e o sorriso ao dizer oi também não era do mesmo branco.

Mas o estranho não foi isso.

Um segundo observador que estava posto do outro lado da rua, sentado no muro do Hospital viu o Nery descendo as escadas do Centro Clínico e riu.
Até ouvi o que disse para um outro: - Olha lá, ele tá andando estranho, parecem passos de elefante.

Nery tinha perdido a noção do espaço. Seu cérebro não havia se acostumado com aquelas lentes.
E eu vi na cara dele o mesmo desgosto que os outros que saem de lá também sentem enquanto dão passos altos, parecendo mesmo um elefante.

O mundo era mais legal antes. Havia algo de poético em não ver com perfeição: Ele poderia completar por si só os espaços deixados por aqueles 7 graus de miopia.

Nery vivia em uma espécie de mundo paralelo, no qual havia um pouco de si em tudo.

E talvez o médico tenha mesmo se enganado, o mundo, de maneira nenhuma estava melhor assim, essa já nem era a cidade na qual nascera.

Enquanto ele subia a rua, dava-se conta que aquela era a primeira vez em que via a escola que estudou. Pensou se as garotas que ele considerava as mais belas da escola eram realmente belas. E se as feias eram fugazmente feias.

E assim foi passando os dias. A cada descoberta, uma pesagem. Ele deveria por de um lado a imagem que ele tinha armazenado com seus sete graus de contribuição e do outro a que realmente existia.

Era uma tarefa árdua, mas estava se adaptando bem, até que chegou o dia D.

Nery encontrou na rua a garota que sempre lhe povoou os sonhos. Loira de cabelos cacheados, 1,70 m de pele branca e pura volúpia. E ela era incrivelmente linda, quase como sempre a imaginou, a não ser por um detalhe. Os olhos.

As lentes, sustentadas por hastes de metal presas atrás de suas orelhas apresentavam-lhe um verde esmeralda belo, mas normal, quando comparado ao de suas lembranças. Isso não tirava a beleza de Maria, de forma alguma. Mas ele era encantado por outro verde.

Por aquele verde que não existia.

Por aquele verde que só Nery viu.









Clarissa, a secretária.

sexta-feira, 15 de abril de 2011
De 2 dias é feita a minha ansiedade.

Até sexta tudo estava normal, despertador, café, trabalho, casa. Sempre nessa ordem: Vilão, prazer, obrigação, e satisfação.

Vilão porque me buscava de um mundo doce e me atirava de volta à realidade, em que embaixo de dois cobertores ao pleno rigor do inverno, eu ainda sonolento precisava iniciar uma contagem regressiva para a primeira batalha do dia: pular da cama, atravessar o quarto escuro apenas de bermudas e camiseta e em um único golpe desligar o ventilador.

Se eu me equivocasse em algum desses passos eu sentia que congelaria e ali mesmo seria feito de mim uma estátua daquelas, de gelo, como as de Nova York. Imagina a minha vergonha se o pessoal visse a camiseta que eu dormia. Ainda bem que eu nunca errei o botão do ventilador. Ainda bem.

O café creio que não seja tão necessário detalhar: Calor, ânimo, assunto. A revigorada pós choque de realidade e temperatura que todos conhecem.

Só que sexta-feira algo aconteceu e alterou os adjetivos do resto da rotina: Com um sobretudo e botas, ambos pretos, calça jeans de um azul envelhecido, com o pescoço envolto por um cachecol vermelho xadrez  que combinava com o rosa de suas bochechas adentrou no ambiente uma mulher de sorriso impecável, voz doce e educação real.

Aquele escritório de advocacia virou um zun-zun-zun. Todos preocupados em saber quem era aquela moça.

- É cliente?
- Será que é divórcio?
- Tomara que seja divórcio.

Todos os olhares eram dela, e foi uma surpresa geral quando ela entrou direto na sala do Pacheco sem perguntar nada à ninguém.
Foram 20 minutos de tensão naqueles 95m² de escritório quando abrem-se as portas marrons com acabamento negro e de lá vem Pacheco sorrindo com um ar orgulhoso:
- Pessoal, essa é Clarissa, minha nova secretária, segunda ela começa.

Silencio no recinto.

Enquanto os homens sorriam absorvendo a idéia de que a veriam todos os dias, as demais secretárias inclusive Lourdes, a minha, lançavam em Clarissa um olhar metralhante. Eu cheguei a ouvir o pensamento em coro delas:
- Ridícula.

Clarissa saiu e a boataria começou:
- Será que o Pacheco tem um caso com essazinha aí? Porque ele dispensou a Bianca, que trabalhava um tempo para ele a menos de duas semanas, só pode que foi pra ficar mais perto dessa aí, né Jeruza? Dizia a Lourdes.

Já o Vinícius gritava lá no cantinho do café:
-Grande Pachecão, a única coisa boa que ele fez em prol desse escritório nos últimos anos foi essa. Porque as causas, tem perdido todas. E ria.

Resumindo, esse foi o assunto de sexta.
Entende porque meu final de semana foi feito de ansiedade?
Amanhã a Clarissa começa. Tomara que eu não erre o botão do ventilador.

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