A meia soquete

terça-feira, 3 de maio de 2011
Gilberto estava em férias. Tirou 15 dias da farmácia para curtir um pouco do frio sem precisar acordar cedo. O resto ele reservou para o verão, queria ir à praia com a sua namorada. Mas havia um detalhe: Ele não tinha namorada. Ainda.

Ele planejou tudo isso em um dia de Janeiro, quando entrou na farmácia um casal risonho e envergonhado que logo abordou-o no balcão:
- Amigo, precisamos de tudo o que há nessa lista. Disse o homem entregando-lhe um pedaço de papel com vários itens.
- Pois não, verei o que posso fazer. Respondeu Gilberto.

Leu a lista e tratou de buscar o que foi pedido: Creme hidratante, protetor solar, bronzeador, creme dental, duas escovas de dentes, fio dental, enxaguante bucal, aspirinas, sal de frutas e, POR DEUS, 45 camisinhas com sabores variados. 

Enquanto ele sortia os sabores de camisinhas ouviu:
-Amigo, a farmácia aceita cartão? Trinta dias? Vamos passar duas semanas na praia e não quero ficar sem grana.

Gilberto, que sorria enquanto fresteava a moça por entre dois guichês de desodorantes respondeu que sim, pensando para si: - Que cara sortudo. Praia, sol e uma morena dessas. Eu também quero isso para mim, ah se quero.
O casal pagou no cartão, entrou no carro e rumou ao litoral enquanto Gilberto ainda fazia as contas de quantas vezes por dia eles transariam para gastar todas aquelas camisinhas.

Ele se sentia bem. Há muito tempo não traçava planos em sua vida: - Praia, sol e uma morena. Era o que ele queria. Era o que ele precisava. E era em cima disso que ele iria trabalhar.


O verão findou-se e ele não viu mais o casal por aquelas redondezas. Já nem lembrava seus rostos, mas haviam detalhes em cada um deles que era impossível de esquecer: A boca de um tom vermelho carne da moça e a meia soquete no meio da canela do cara.
Céus, aquilo era um sinal de que ele podia sim atingir os seus planos. Era o sinal de que os tempos mudaram.
Lembrava-se bem dos coleguinhas de escola fazendo piadas sobre a altura de suas meias. De como elas o deixavam parecendo um nerd, guri mijão, colono e tantos outros adjetivos pejorativos que ele preferia nem lembrar.

Mas aquele cara com meias nas canelas o fez acreditar que ele também poderia ser, enfim, feliz.

Gilberto começou a gastar quase todo o seu salário em baladas, sempre procurando por morenas de lábios colorados dispostas a aceitar um drink. Perdeu as contas de quantas mulheres com essa descrição encontrou, mas lembra-se bem de como todas elas olhavam de cima à baixo aquele cara sentado em um banco de bar.

A análise começava pelo rosto. Enquanto elas olhavam, não esboçavam nenhuma expressão de espanto, e isso era bom. Na verdade, era ótimo.

O olhar descia até o tórax. Viam-se algumas caras de decepção quando constatavam que Gilberto não era bombado. Mas o processo seguia e terminava da mesma maneira: Risos. Intermináveis risos.

Todas elas caiam na gargalhada quando viam aquelas meias soquetes esticadas nas canelas de Gilberto.


E era sobre isso que ele pensava agora, deitado no sofá com um moleton velho, calças curtas e meias palmilhas que deixavam todo o frio da sala atacar as suas canelas:
- O que não se faz por praia, sol e uma morena, amigo? Diga-me. O que?



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