Valentina, uma morena daquelas.

quarta-feira, 25 de maio de 2011
Se alguém visse Augusto, pensaria que ele está em apuros. 
Com as costas escoradas, pernas flexionadas, mãos espalmadas sobre a parede e uma expressão de terror ele segurava desesperadamente aquela porta.
Mas não havia ninguém do outro lado.

Augusto não estava com medo do que poderia entrar, mas sim do que encontraria quando saísse.

Seu condomínio era o maior da cidade, com cerca de três mil moradores, cinco prédios, inúmeras crianças mas apenas uma morena daquelas. 
Daquelas de parar o transito. Daquelas de instigar a criatividade dos pedreiros. 
Daquelas que nasceram projetadas para ostentar aquele nome: Valentina. 

Augusto interessou-se por aquela mulher antes mesmo de vê-la. Quando ele leu aquele nome na relação de candidatos a síndico maravilhou-se. Sabia que a dona daquela graça deveria ser bela. Mas não imaginava tanto. 

Sentado no Playground, tomando um chimarrão ele começou a pensar quem seria Valentina. 
Recapitulava em sua mente todas as mulheres que ele já havia visto naqueles 20 dias de vizinhança mas não conseguia descobrir. 

Então, enquanto roncava o chimarrão percebeu duas coisas. 
Um: Nunca saberia quem era Valentina se não parasse de tentar adivinhar, e perguntasse. 
Dois: Ela tinha 99% de chances de ser casada. Que mulher solteira gostaria de ser síndica de condomínio? 
Logo ele descobriria que um desses dois pontos estava errado.

Ao cair do sol, ainda encucado, Augusto deu de mão na sua garrafa térmica e decidiu subir para tomar um banho.
Entrou no Elevador, pressionou a tecla 4 e quando fechavam-se as portas, uma mão com unhas vermelhas impediu que o elevador partisse. 
- Clac. Fez a porta. 
- Oi, disse a mulher. 

Augusto soube na hora quem era aquela mulher de pernas torneadas que entrava no elevador cheia de sacolas. 
Mas não pense você que descobrir que aquela era Valentina havia sido uma manobra talentosa. Ele, de fato não advinhou quem ela era. Muito menos perguntou.
Ele leu no uniforme: 

Valentina - Vendedora
Livraria Abre Aspas. 

O destino soprava ao seu favor. Salve o inventor do uniforme.

- Eu lhe ajudo com as sacolas. Disse Augusto, soltando a garrafa no chão.
- Obrigado. Respondeu a mulher, entregando o saco de papelão que tapava-lhe o rosto.
A porta fechou e eles subiram.
Nem o dono da melhor lábia do mundo conseguiria ter uma conversa produtiva nos míseros dez segundos que o elevador demorou para chegar no primeiro destino, quanto menos Augusto.
Depois de dizer oi e o seu nome, ele já estava se despedindo. Na sua frente escancarava-se o corredor do quarto andar e ele precisava sair.

Passou uns dias e Augusto decidiu vê-la de novo, então teve uma idéia.
Iria comprar um livro.

Perguntou ao porteiro do condomínio onde ficava a livraria Abre Aspas, e lá foi.

Quando chegou, foi em direção a Valentina:
- Oi. Quero um livro.
- E qual seria, Augusto? Respondeu a morena com um sorriso cheio de malícia. 
- Ah, não sei. Qual você indicaria pra mim? Perguntou o encantador barato.
- Hum. Acho que eu tenho um. Vou buscar.

Valentina voltou logo depois com um livro embrulhado em papel de presente e disse:
- São R$ 22,00. Vizinho. Mas você só pode abrir em casa.
Ele pagou e foi embora com a barriga borbulhando: Que livro seria aquele? Que mensagem ela quer passar?

Ele chegou em casa, trancou a porta e correu para o sofá.
Como que num ritual digno de quem olha um listão de vestibular, Augusto foi lentamente tirando aquele livro de sua embalagem.
Na parte inferior da capa ele conseguia ver algumas pernas femininas. 
Foi puxando mais o livro e surgiu uma palavra: Casada.
Ele resolveu terminar com aquele mistério desnecessário e puxou com força.

Então, de repente, ele colou no sofá. Na boca um sorriso, nos olhos uma certeza, e em cima da mesa um livro: Como seduzir uma mulher casada .

Apuros.
Agora sim Augusto estava em apuros.

A boca que derruba um castelo

quarta-feira, 18 de maio de 2011
Vocês, definitivamente, me frustram com essa hipocrisia. 

Criaram a idéia de que devem se afastar de mim o quão rápido puderem, como se meus braços fossem tentáculos da infelicidade, e que o simples soar da minha graça fosse digno de um sinal da cruz. 
Difamam o meu nome aos quatro ventos, e as vezes até transformam-me em adjetivo, para o simples e puro prazer de me jogarem aos outros. Que engano. 

Desejam, da forma mais sincera e amiga, que ninguém se prenda à minha companhia, enquanto, horas depois, é a mim que recorrem, em meio a lágrimas e soluços. 
Sou eu que ouço os nomes que vocês sussurram no meio da noite. 
Sou eu que cuido-os enquanto dormem. 
E é a mim que clamam quando não aguentam mais. 

Mas vocês sentem vergonha perante os outros de estarem comigo. Vocês esquecem que tudo o que conhecem está levantado sobre os meus ombros. 

Apenas eu sei como vocês são de verdade. E é tão legal saber que apenas eu posso derrubar o enorme castelo de cartas em que todos vivem. 

Você acha que suportaria a pressão de dizer as coisas que ninguém pode ouvir? 
Você já imaginou como seria a sua vida se nunca pudesse ter um momento à só? 

Para que entendam, usarei de um eufemismo: Como mudaria a relação de vocês, se simplesmente, o lado negro da lua fosse exposto? 

E se alguém ainda não entendeu, a lua representa vocês, humanos. E o lado negro é tudo aquilo reprimido e vergonhoso que fazem questão de manter escondido, e só expõem quando eu estou presente. 


E quem sou eu? 
A solidão, oras. 

Quem mais saberia tanto sobre ti?

A comédia romântica

terça-feira, 10 de maio de 2011
Atônito, triste, iludido. Assim estava Eraldo, cinco minutos após o termino da primeira comédia romântica que viu em sua vida.

Enquanto todos já esvaziavam a sala confortável do Cine Lux, ele permanecia ali, acomodado na poltrona 41, tão menor do que quando sentou. Olhava para a tela com os ombros encolhidos e via muitas coisas, menos os créditos que subiam.
Ao seu lado, um saco vazio de pipocas, duas latas de refrigerante e 4 canudinhos mordidos.
Nenhuma mulher. Nenhum sorriso. E em 27 anos, nenhum final feliz.

Ele trabalhava demais, pouco se dava ao luxo de ir ao cinema, quanto mais comprar um aparelho de DVD.
Aproveitava as noites de filme na TV para dormir cedo, chegar ao serviço no raiar do dia e trabalhar mais.
Dizia que só o trabalho poderia curar tudo e manter a mente ocupada a ponto de não pensar no que é preciso esquecer. Mas todos comentavam que Eraldo nunca teve alguém para amar, e assim, ter de lutar para esquecer.

Porque no fundo é isso que todos nós fazemos: Lutamos, vencemos e esquecemos. Simples no final. No final.


Mas na quinta-feira ele ouviu o comentário de um colega enquanto passava para buscar umas folhas na impressora:
- Ontem levei a Natália no cinema. Vimos uma comédia romântica muito boa. A noite depois daquilo foi uma loucura.
Ele pegou os papéis e voltou para a sua mesa se perguntando como poderia uma mistura de romance com comédia ser legal. Puxou o jornal A Notícia de quarta e procurou os horários de exibição no cinema. Decidiu que precisava ver aquilo. Adorava comédia. Julgou que era necessário rir um pouco, além do que, sexta era a sua folga. Anotou na sua agenda: Cine Lux, última exibição às 21h. E conforme o planejado, lá foi.

Agora, às 22h53min ele nota que errou.

Olhando para a tela ele se pergunta por que diabos ele esteve à beira de chorar vendo um filme intitulado comédia. E não choraria pela história do filme, ou pela atuação impecável de uma atriz. Mas sim porque percebeu naquelas quase duas horas que nada do que foi exibido parecia ao seu alcance.
Se aquilo era a receita para a felicidade, ele não possuía nenhum ingrediente, e nem sabia onde arranjar.
Ele demorou, mas levantou-se e foi embora. No outro dia, ignorou sua folga e chegou ainda madrugada na empresa.

Desde então esse virou o seu vício. Toda quarta ele folheia o A Notícia em busca de uma comédia romântica em exibição no Cine Lux.

Ao menos assim ele tem algo para esquecer enquanto trabalha: O final feliz.
O maldito final feliz.

Derrota, embaraçosa derrota

sexta-feira, 6 de maio de 2011
A porta trancou e alguém distraído deu com a cara no vidro.
Eu sei disso porque vi Celso, o segurança, rir disfarçadamente depois do barulho. Ele fez alguns sinais, e segundos depois a porta, enfim, girou.

Dela saiu uma loira, linda e sorridente, com as bochechas vermelhas, não sei se por proveniência da batida, ou da vergonha.
Ela não era cliente. Se fosse, eu certamente saberia o nome dela. Acho que ela veio só trocar um cheque. Dirigiu-se à máquina de senhas, pegou seu número e sentou-se na penúltima fileira.

O banco não estava lotado, era perto do fim do mês, todos os aposentados já haviam retirado seu dinheiro e esse fato diminuía consideravelmente o movimento.

Olho para o painel, o próximo a ser chamado seria o 34. Dou uma olhada rápida para saber quantos clientes ainda esperam: são 4. O Almir; Seu Arlindo; Uma grávida; Um cara de bigodes.

O Seu Arlindo e a Moça grávida devem ter retirado as senhas especiais, portanto estão fora da ordem crescente do 34. Sendo assim, acho que o numero dela é o 36. Isso se nenhum engraçadinho retirou uma senha e foi-se embora. Odeio isso porque sempre atrapalha a minha estratégia na hora de escolher quem quero atender. E acredite: isso acontece direto. É só demorar um pouco mais em umas operações, apurar em outras e tudo dá certo.

Quando eu estou em um banco, sempre torço para que uma mulher bonita chegue depois de mim. Esse fato faz com que todos os caixas homens trabalhem mais rápido para terem a chance de atendê-la e vangloriar-se de ser o único a saber o nome dela na hora do cafezinho. Ao menos aqui é assim.

E é isso que vai acontecer agora. o André e o Michael já me deram o sinal com a cabeça.

- Pííí !

Aperto o botão. O Painel mostra 554. Senha especial. Levanta-se Seu Arlindo, como o planejado, e vem.
Em meio ao pagamento de umas multas ele tenta puxar um papo sobre o Gre-Nal de Domingo, mas eu dou respostas curtas e evasivas para evitar as delongas. O velho é colorado doente.
Quando estou finalizando escuto outro apito: -pííí !

Olho para o número, 34. A moça grávida já deve ter ido, porque voltou a ordem crescente. Levanta-se o Almir com a 34 na mão e vai para o guichê do André.

O apito soa de novo e o Bigodudo pula da cadeira e vai ao encontro do Michael.

Glória, glória. Já sinto a alegria da vitória expressando-se em meu rosto enquanto aperto o botão e grito o número bem alto, como que pra comemorar a vitória:
- 36, por favor!

Mas não! Não!
Vem a grávida e me entrega o papel com o número 36 . Céus, ela pegou a senha errada!

Porque as pessoas tem a mania de não ler as instruções? Odeio grávidas, odeio.
- A senhora sabia que grávidas tem preferência nas senhas do nosso banco? Você não precisaria esperar tanto.

- Mas eu não estou grávida! Responde a gordinha com cara de choro. 

Derrota.
Triste derrota.
Embaraçosa derrota!

A meia soquete

terça-feira, 3 de maio de 2011
Gilberto estava em férias. Tirou 15 dias da farmácia para curtir um pouco do frio sem precisar acordar cedo. O resto ele reservou para o verão, queria ir à praia com a sua namorada. Mas havia um detalhe: Ele não tinha namorada. Ainda.

Ele planejou tudo isso em um dia de Janeiro, quando entrou na farmácia um casal risonho e envergonhado que logo abordou-o no balcão:
- Amigo, precisamos de tudo o que há nessa lista. Disse o homem entregando-lhe um pedaço de papel com vários itens.
- Pois não, verei o que posso fazer. Respondeu Gilberto.

Leu a lista e tratou de buscar o que foi pedido: Creme hidratante, protetor solar, bronzeador, creme dental, duas escovas de dentes, fio dental, enxaguante bucal, aspirinas, sal de frutas e, POR DEUS, 45 camisinhas com sabores variados. 

Enquanto ele sortia os sabores de camisinhas ouviu:
-Amigo, a farmácia aceita cartão? Trinta dias? Vamos passar duas semanas na praia e não quero ficar sem grana.

Gilberto, que sorria enquanto fresteava a moça por entre dois guichês de desodorantes respondeu que sim, pensando para si: - Que cara sortudo. Praia, sol e uma morena dessas. Eu também quero isso para mim, ah se quero.
O casal pagou no cartão, entrou no carro e rumou ao litoral enquanto Gilberto ainda fazia as contas de quantas vezes por dia eles transariam para gastar todas aquelas camisinhas.

Ele se sentia bem. Há muito tempo não traçava planos em sua vida: - Praia, sol e uma morena. Era o que ele queria. Era o que ele precisava. E era em cima disso que ele iria trabalhar.


O verão findou-se e ele não viu mais o casal por aquelas redondezas. Já nem lembrava seus rostos, mas haviam detalhes em cada um deles que era impossível de esquecer: A boca de um tom vermelho carne da moça e a meia soquete no meio da canela do cara.
Céus, aquilo era um sinal de que ele podia sim atingir os seus planos. Era o sinal de que os tempos mudaram.
Lembrava-se bem dos coleguinhas de escola fazendo piadas sobre a altura de suas meias. De como elas o deixavam parecendo um nerd, guri mijão, colono e tantos outros adjetivos pejorativos que ele preferia nem lembrar.

Mas aquele cara com meias nas canelas o fez acreditar que ele também poderia ser, enfim, feliz.

Gilberto começou a gastar quase todo o seu salário em baladas, sempre procurando por morenas de lábios colorados dispostas a aceitar um drink. Perdeu as contas de quantas mulheres com essa descrição encontrou, mas lembra-se bem de como todas elas olhavam de cima à baixo aquele cara sentado em um banco de bar.

A análise começava pelo rosto. Enquanto elas olhavam, não esboçavam nenhuma expressão de espanto, e isso era bom. Na verdade, era ótimo.

O olhar descia até o tórax. Viam-se algumas caras de decepção quando constatavam que Gilberto não era bombado. Mas o processo seguia e terminava da mesma maneira: Risos. Intermináveis risos.

Todas elas caiam na gargalhada quando viam aquelas meias soquetes esticadas nas canelas de Gilberto.


E era sobre isso que ele pensava agora, deitado no sofá com um moleton velho, calças curtas e meias palmilhas que deixavam todo o frio da sala atacar as suas canelas:
- O que não se faz por praia, sol e uma morena, amigo? Diga-me. O que?



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