Aquele verde que só Nery viu.

segunda-feira, 18 de abril de 2011
Ele calçou os óculos na expectativa de que o resultado fosse nada diferente do que o médico falou:
- Você verá o mundo melhor. E deu um sorriso canalha, tipo como o dos atores quando dizem um clichê.

Saiu do consultório estremecido. Ou o médico estava certo, ou o mundo mudou por si só naqueles 5 minutos.
Notou que a secretária já não era tão bonita, e o sorriso ao dizer oi também não era do mesmo branco.

Mas o estranho não foi isso.

Um segundo observador que estava posto do outro lado da rua, sentado no muro do Hospital viu o Nery descendo as escadas do Centro Clínico e riu.
Até ouvi o que disse para um outro: - Olha lá, ele tá andando estranho, parecem passos de elefante.

Nery tinha perdido a noção do espaço. Seu cérebro não havia se acostumado com aquelas lentes.
E eu vi na cara dele o mesmo desgosto que os outros que saem de lá também sentem enquanto dão passos altos, parecendo mesmo um elefante.

O mundo era mais legal antes. Havia algo de poético em não ver com perfeição: Ele poderia completar por si só os espaços deixados por aqueles 7 graus de miopia.

Nery vivia em uma espécie de mundo paralelo, no qual havia um pouco de si em tudo.

E talvez o médico tenha mesmo se enganado, o mundo, de maneira nenhuma estava melhor assim, essa já nem era a cidade na qual nascera.

Enquanto ele subia a rua, dava-se conta que aquela era a primeira vez em que via a escola que estudou. Pensou se as garotas que ele considerava as mais belas da escola eram realmente belas. E se as feias eram fugazmente feias.

E assim foi passando os dias. A cada descoberta, uma pesagem. Ele deveria por de um lado a imagem que ele tinha armazenado com seus sete graus de contribuição e do outro a que realmente existia.

Era uma tarefa árdua, mas estava se adaptando bem, até que chegou o dia D.

Nery encontrou na rua a garota que sempre lhe povoou os sonhos. Loira de cabelos cacheados, 1,70 m de pele branca e pura volúpia. E ela era incrivelmente linda, quase como sempre a imaginou, a não ser por um detalhe. Os olhos.

As lentes, sustentadas por hastes de metal presas atrás de suas orelhas apresentavam-lhe um verde esmeralda belo, mas normal, quando comparado ao de suas lembranças. Isso não tirava a beleza de Maria, de forma alguma. Mas ele era encantado por outro verde.

Por aquele verde que não existia.

Por aquele verde que só Nery viu.









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