Se alguém visse Augusto, pensaria que ele está em apuros.
Com as costas escoradas, pernas flexionadas, mãos espalmadas sobre a parede e uma expressão de terror ele segurava desesperadamente aquela porta.
Mas não havia ninguém do outro lado.
Augusto não estava com medo do que poderia entrar, mas sim do que encontraria quando saísse.
Seu condomínio era o maior da cidade, com cerca de três mil moradores, cinco prédios, inúmeras crianças mas apenas uma morena daquelas.
Daquelas de parar o transito. Daquelas de instigar a criatividade dos pedreiros.
Daquelas que nasceram projetadas para ostentar aquele nome: Valentina.
Augusto interessou-se por aquela mulher antes mesmo de vê-la. Quando ele leu aquele nome na relação de candidatos a síndico maravilhou-se. Sabia que a dona daquela graça deveria ser bela. Mas não imaginava tanto.
Sentado no Playground, tomando um chimarrão ele começou a pensar quem seria Valentina.
Recapitulava em sua mente todas as mulheres que ele já havia visto naqueles 20 dias de vizinhança mas não conseguia descobrir.
Então, enquanto roncava o chimarrão percebeu duas coisas.
Um: Nunca saberia quem era Valentina se não parasse de tentar adivinhar, e perguntasse.
Dois: Ela tinha 99% de chances de ser casada. Que mulher solteira gostaria de ser síndica de condomínio?
Logo ele descobriria que um desses dois pontos estava errado.
Ao cair do sol, ainda encucado, Augusto deu de mão na sua garrafa térmica e decidiu subir para tomar um banho.
Entrou no Elevador, pressionou a tecla 4 e quando fechavam-se as portas, uma mão com unhas vermelhas impediu que o elevador partisse.
- Clac. Fez a porta.
- Oi, disse a mulher.
Augusto soube na hora quem era aquela mulher de pernas torneadas que entrava no elevador cheia de sacolas.
Mas não pense você que descobrir que aquela era Valentina havia sido uma manobra talentosa. Ele, de fato não advinhou quem ela era. Muito menos perguntou.
Ele leu no uniforme:
Valentina - Vendedora
Livraria Abre Aspas.
O destino soprava ao seu favor. Salve o inventor do uniforme.
- Eu lhe ajudo com as sacolas. Disse Augusto, soltando a garrafa no chão.
- Obrigado. Respondeu a mulher, entregando o saco de papelão que tapava-lhe o rosto.
A porta fechou e eles subiram.
Nem o dono da melhor lábia do mundo conseguiria ter uma conversa produtiva nos míseros dez segundos que o elevador demorou para chegar no primeiro destino, quanto menos Augusto.
Depois de dizer oi e o seu nome, ele já estava se despedindo. Na sua frente escancarava-se o corredor do quarto andar e ele precisava sair.
Passou uns dias e Augusto decidiu vê-la de novo, então teve uma idéia.
Iria comprar um livro.
Perguntou ao porteiro do condomínio onde ficava a livraria Abre Aspas, e lá foi.
Quando chegou, foi em direção a Valentina:
- Oi. Quero um livro.
- E qual seria, Augusto? Respondeu a morena com um sorriso cheio de malícia.
- Ah, não sei. Qual você indicaria pra mim? Perguntou o encantador barato.
- Hum. Acho que eu tenho um. Vou buscar.
Valentina voltou logo depois com um livro embrulhado em papel de presente e disse:
- São R$ 22,00. Vizinho. Mas você só pode abrir em casa.
Ele pagou e foi embora com a barriga borbulhando: Que livro seria aquele? Que mensagem ela quer passar?
Ele chegou em casa, trancou a porta e correu para o sofá.
Como que num ritual digno de quem olha um listão de vestibular, Augusto foi lentamente tirando aquele livro de sua embalagem.
Na parte inferior da capa ele conseguia ver algumas pernas femininas.
Foi puxando mais o livro e surgiu uma palavra: Casada.
Ele resolveu terminar com aquele mistério desnecessário e puxou com força.
Então, de repente, ele colou no sofá. Na boca um sorriso, nos olhos uma certeza, e em cima da mesa um livro: Como seduzir uma mulher casada .
Apuros.
Agora sim Augusto estava em apuros.
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