FALA AÍ: O Capão do Troço

sábado, 10 de novembro de 2012

Ali, onde hoje é a Praça Cícero, havia um lago, os são-luizenses mais velhos hão de se lembrar.
Esse lago desapareceu numa noite de inverno, anoiteceu e não amanheceu, literalmente.
Após muita investigação, por parte das autoridades públicas da época, descobriu-se a causa do sumiço repentino.

À tardinha, havia pousado sobre o lago um bando de marreco, para passar a noite, antes de prosseguir em sua rota migratória, e aconteceu que, de madrugada, o lago congelou.
Quando os primeiros raios de sol começaram a despontar no horizonte, os marrecos começaram a bater as asas, no intuito de prosseguirem a viagem, e como suas patinhas estavam presas no gelo, acabaram, ao decolarem, levando junto o lago, que havia se transformado num cubo de gelo gigante e agora sobrevoava o pampa gaúcho.

No lugar do lago ficou somente uma cratera, onde começaram a crescer algumas plantas e logo se formou um matinho. Então, as pessoas que iam passear no centro da cidade, sentindo-se agoniadas, com necessidade de se aliviar, passaram a usá-lo como banheiro. Por isso o lugar ficou conhecido como Capão do Troço.

Nessa época, a rádio Farroupilha, de Porto Alegre, tinha a seguinte promoção: um radialista batia na porta de uma casa e se o morador, antes de abri-la, gritasse o nome da rádio, ganhava um determinado prêmio.
Um são-luizense, embriagado, numa madrugada de inverno, saiu do Bar do Mário e, transitando pela Senador Pinheiro, capotou o seu fusca, que ficou de rodas para cima no meio do Capão do Troço. O motorista dormiu ali mesmo e, logo que amanheceu, um passante deu umas batidinhas no vidro embaçado do veículo e o acidentado não teve dúvidas, gritou a plenos pulmões: FARROUPILHA!
Esse matinho prestou-se, também, para encrontos sexuais furtivos, principalmente para um rapaz alegre e solícito, muito dado, que, com os seus préstimos, providenciava a introdução da rapaziada ao mundo dos prazeres carnais. Muitos são-luizenses tiveram a sua iniciação sexual ali, no Capão do Troço.

Reza a lenda que dois sujeitos foram surpreendidos completamente pelados no Capão do Troço e, perguntados sobre o que estavam fazendo, respoderam:
- Estamos aqui, meio que cagando, meio que mijando...
Um casal chegou a construir uma casinha de madeira no Capão do Troço. O homem, que gostava de futebol, improvisou um arco de taquara e botava a mulher, de vestido mesmo, a atacar pênalti. Mas a esposa vivia reclamando que a moradia tinha muito rato e que o marido nada fazia para terminar com a praga. Numa noite de inverno, o homem chegou bêbado em casa e a mulher, indignada, começou a gritar que ele não servia nem para matar os ratos. O marido não aguentou, botou fogo na casa e corria em volta gritando:
- Se cagaram rataiada!

Nos escombros desse incêndio, aboletou-se, um dia, uma andarilha, uma mulher que ninguém sabia ao certo de onde vinha e nem para onde ia. Dúvidas também havia quanto à sua sanidade mental, o certo é que era ninfomaníaca. Um grupo de jovens resolveu adotá-la e cada integrante furtava, da própria casa, gêneros alimentícios para alimentá-la, latas de sardinha, pernas de salame, etc. Em troca, ela sustentava a lascívia da rapaziada, que ia se revezando na labuta, mas teve vezes em que a coisa foi grupal. Quando o inverno passou, já gordinha, ela partiu. Ninguém nunca mais teve notícias dela.
Diante desses fatos, o prefeito da época resolveu botar ordem na bagaça e transformar o local numa praça, a atual e simpática Praça Cícero Cavalheiro.

Há, ainda, relatos de que, quando os marrecos sobrevoavam Porto Alegre, visando chegar à Lagoa dos Patos, o lago começou a descongelar e os peixes foram caindo pelas ruas da capital.
Sobre essa chuva de peixes tem até um poema do Mário Quintana, que na ocasião foi atingido na cabeça por um pacu.
Amigos do poeta contam que ele não se fez de rogado e preparou o pacu assado, batizando o prato com o seguinte nome: Hipoglós.
Para finalizar essa estória, segue o poema em que o Mário Quintana faz referência ao dia em que foi atingido na cabeça por um pacu, durante uma chuva de peixes:

Canção de nuvem, vento e peixe – Mário Quintana

Medo da nuvem
Medo Medo
Medo da nuvem que vai crescendo
Que vai se abrindo
Que não se sabe
O que vai saindo
Será um peixe?
Medo da nuvem Nuvem Nuvem
Medo do vento
Medo Medo
Medo do vento que vai ventando
Que vai falando
Que não se sabe
O que vai dizendo
Cuidado com o peixe!
Medo do vento Vento Vento
Medo do gesto
Mudo
Medo da fala
Surda
Que vai movendo
Que vai dizendo
Que não se sabe…
Que bem se sabe
Que tudo é nuvem que tudo é vento
No meio um peixe
Nuvem e vento Vento Vento!
Peixe Peixe
Ai, minha cabeça!
_________

Texto de hoje vem da genialidade do Edson Luiz Vargas de Oliveira.


Mande o seu também: gunthersott@hotmail.com 

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