Abrindo um novo capítulo no blog, o espaço FALA AÍ.
É destinado a amigos e leitores que queiram postar algum texto de sua alcunha mas não tem algum meio para isso.
Começamos com um do amigo Yuri Matos.
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Fico perplexo, quase atônito, com essas exasperadas intrigas entre Polícia Civil e Ministério Público. As instituições que deveriam trabalhar em conjunto protegendo os interesses da sociedade, ficam, ao invés disso, trocando farpas para mostrar quem está, ou não, com a razão.
Um dos vários episódios desses conflitos foi a propalada notícia da Delegada de Polícia que se recusou a lavrar flagrante porque questionava a participação da Brigada Militar na ação e, também, porque desconhecia maiores detalhes acerca da investigação conduzida pelo Ministério Público. Em decorrência disso, o Promotor de Justiça que conduzia a investigação - também agindo de modo um tanto inconveniente - determinou abertura de inquérito civil para apurar eventual prática de improbidade administrativa por parte referida delegada.
Pergunto-lhes: qual a grande ofensa em a Brigada Militar executar determinadas tarefas de polícia judiciária? Exceto o descontentamento da Polícia Civil, nenhum, a meu ver, se existir recursos e disponibilidade para isso. A frequente parceria entre Ministério Público e Brigada Militar decorre da necessidade de atuação mais prática e efetiva no combate a criminalidade, mediante pujantes ações de repressão, isso, no entanto, causa certo amargo à Polícia Civil, que não gosta de perder as “glórias”, ainda que demasiadamente singelas.
A Lei nº 9.099/95 autoriza a atuação da Brigada Militar nas infrações de menor potencial ofensivo, então, qual a grande ofensa jurídica em se dar efetividade à repressão criminal? Além disso, será mesmo que a simples participação da Brigada Militar em averiguações ou no cumprimento de mandados de busca e apreensão, em aleatórias e delimitadas oportunidades, prejudica consideravelmente a tarefa de policiamento ostensivo? Por outro lado, será que a colaboração da Brigada Militar não auxilia, inclusive, o trabalho da própria Polícia Civil, que evita deslocar agentes (muitas vezes afincados em outras tarefas) para o cumprimento de corriqueiras ordens judiciais? Se a grande problemática disso tudo está na ausência de previsão constitucional, a solução é simples e a devida reforma legislativa deveria ser efetivada, pois o escopo máximo é proteger e garantir os interesses da sociedade.
Além disso, aproveitando-se de toda a polêmica, a Polícia Civil voltou a criticar as ações de investigação do Ministério Público, dizendo que este não se interessa por acanhados delitos ou de pouca repercussão social. Na verdade, o MP-RS tem metas institucionais (GEMP 2022) que restringem e balizam as possibilidades de investigação interna, especialmente em razão de modestos recursos materiais e de pessoal. De qualquer forma, por mera coerência, o que surte mais efeito protetivo para a sociedade? Que o MP investigue e descubra o autor da subtração de um furto simples (praticado contra patrimônio privado de uma única pessoa) ou, então, que investigue e desmantele quadrilha organizada, que causava altíssimo prejuízo ao erário público ou que traficava em larga escala? Nem precisa resposta.
Para acirrar ainda mais a questão, no episódio da delegada, a Polícia Civil, alegando possível demasia na ação do “adversário” (pelo contexto fático é o que me parece), brada a necessidade de aprovação da PEC 37 - mais conhecida como PEC da impunidade -, dizendo que a sociedade – protegida por seus valorosos direitos fundamentais - não pode ficar submissa aos mandos e desmandos do intangível Ministério Público. Ora, isso um ultraje à própria ordem jurídica!
Imaginem todo o poder de investigação criminal pertencer exclusivamente às polícias judiciárias (civil e federal). Imaginaram? Para mim, é quase inimaginável. E a quem isso interessa? Aos “ladrões de galinha” (a quem o MP não costuma fiscalizar in locu) certamente que não! Por óbvio, o interesse em extirpar o poder investigatório do MP é puro e exclusivo daqueles a quem a Polícia Civil não tem força para reprimir e investigar, a quem, chamamos, ingenuamente, de Vossas Excelências (sei que não preciso nominar quem são, porque a maioria conhece – se bem que, se realmente conhecessem, agiriam de outra forma nas eleições), sobre os quais a Polícia Civil não tem a mínima força para reprimir ou investigar. Quer dizer, força até ela tem, mas, quando começa investigar, após rápida “mexida de pauzinhos” da cúpula corrompida, seus agentes são silenciados ou transferidos para o quinto dos infernos! E esse é o grande problema da submissão das polícias ao Executivo.
Aqui mesmo em São Luiz Gonzaga, quem leu as reportagens sobre a Operação Guarani, que desbaratou enorme esquema de corrupção no processo licitatório de concessão da água, sabe que a intervenção do Ministério Público - para investigação especializada (com apoio do núcleo de inteligência institucional) – iniciou mediante pedido de um Delegado de Polícia, que sabia, indubitavelmente, que a Polícia Civil local não tinha condições de investigar o esquema criminoso (que, supostamente, envolveria prejuízo milionário ao erário público), pela absoluta ausência de estrutura e recursos.
Caso seja aprovado esse execrado projeto de emenda constitucional, veremos, gradativamente, o avanço do caos. E quando falo em caos, não estou falando na reiterada atuação de assaltantes de ônibus (como está acontecendo em Rio Grande), nem da intensa onda de furtos praticados por drogaditos, mas sim da criminalidade dos “altos escalões”, aquela constituída pelos “excelentíssimos” senhores corruptos, que, então, por não mais temerem a atuação do Ministério Púbico, aproveitarão para montar novos e mais bem elaborados esquemas de corrupção, de desvio de dinheiro público, mensalões, mensalinhos, e tantos outros que a sociedade já conhece. Enquanto isso, promotores e procuradores estarão de braços cruzados em seus gabinetes, no ócio de sua autonomia funcional, esperando a chegada de possíveis inquéritos policiais elaborados pela vangloriada instituição que deterá exclusivamente o poder de investigar. Os agentes desta – os delegados (federais e estaduais)-, por sua vez, quando iniciarem investigações envolvendo integrantes desse “alto escalão”, ficarão entre cruzes e espadas, sob ameaça de remoção e outras punições discretas, que, certamente, resultarão em forçosa omissão.
Impossível olvidar ainda da corrupção dentro das próprias polícias. Não há, até onde se sabe, órgão ou instituição em que todos os seus integrantes sejam absolutamente corretos, idôneos, probos e cumpridores da lei (isso nos três poderes e no Ministério Público, infelizmente). No entanto, quando a corrupção está afincada dentro dos órgãos investigantes, como é o caso das policiais judiciárias, a questão toma conotação muito mais grave. Se o Ministério Público perder o poder de investigar, quem investigará as polícias judiciárias? Elas mesmas?
Será que é isso que a sociedade necessita? De um Ministério Público inerte e de uma Polícia oprimida e corrupta? Certamente que não.
O atual cenário de persecução criminal está longe do ideal. Mas só de pensar na extirpação do poder de investigação da instituição titular da ação penal (a quem a investigação é dirigida), se antevê um retrocesso inimaginável e de efeitos catastróficos para a democracia.
Infelizmente, se a PEC 37 for aprovada, esqueçam, completamente, qualquer tipo de ideia para combate à corrupção, pois a ilegalidade, a imoralidade e a improbidade – mais do que nunca - tomarão conta do Brasil.
Utilizei o nome do livro de Fernando Gabeira como título para expressar tamanha perplexidade diante das reiteradas atuações dissonantes da Polícia Civil. Afinal de contas, para que serve a polícia judiciária se não para servir como braço direito do Ministério Público? Enquanto órgãos de persecução, Ministério Público e Polícia Civil devem trabalhar unidos para defender os interesses da sociedade por eles representada, deixando de lado qualquer disputa de escopo egoístico.
Por YURI MATOS.
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